Menos judicialização e mais saúde

Nos últimos anos, o Brasil tem enfrentado um crescimento significativo na judicialização da saúde suplementar. Dados recentes do Conselho Nacional de Justiça indicam que, em 2023, houve 500 mil novas ações nesse setor, evidenciando a necessidade urgente de reduzir esse número e encontrar soluções mais eficientes e sustentáveis.

A saúde pública tem avançado na redução da judicialização ao optar por juízes amparados em ferramentas técnicas e que levem adiante apenas o que não está claramente definido nas regras regulatórias e normas de saúde pública. Esse modelo poderia ser um exemplo para a saúde suplementar, em que a alta judicialização ainda impacta fortemente a sustentabilidade do setor.

Um dos principais impactos está nos altos custos administrativos e assistenciais para as operadoras de planos de saúde, que precisam precificar seus produtos considerando esses elementos. O resultado é um aumento no valor dos planos de saúde, limitando o acesso dos consumidores à saúde suplementar. Portanto, é fundamental que os juízes enfrentem o tema da judicialização da saúde sob um aspecto coletivo, em vez de individual, adotando uma perspectiva mais moderna em suas decisões.

Antes de deferir liminares e decisões, é crucial que os juízes considerem os impactos econômicos, custo, efetividade, medicina baseada em evidência e os impactos no mercado de saúde privada e coletiva. A mudança na postura assistencialista do judiciário pode ter um efeito pedagógico no mercado, incluindo a advocacia, ao restringir o acesso ao judiciário apenas para casos verdadeiramente necessários, em vez de burlar ou superar as normas regulatórias e jurídicas existentes em prol de um interesse individual.

Por exemplo, ao analisar o custo-efetividade de uma tecnologia médica, os juízes podem perceber que nem tudo que é novo é necessariamente melhor. Uma tecnologia de alto custo pode drenar recursos significativos e beneficiar apenas uma pessoa, enquanto uma alternativa tradicional, mais barata, pode salvar várias vidas.

A judicialização da saúde privada em matéria de planos de saúde privados é um fenômeno fundamentalmente brasileiro. Em outros países, há pouca incidência desse problema. Em Portugal, por exemplo, os juízes não recebem ações de saúde simplesmente porque não relativizam as políticas públicas de saúde ou os contratos de seguro. Respeita-se o que está no contrato e não há judicialização para demandas cujos objetos estão previstos em contrato e na própria regulação.

O Brasil precisa urgentemente buscar soluções para reduzir a judicialização na saúde suplementar e isso inclui a adoção de práticas mais técnicas e coletivas por parte dos juízes, considerando os impactos econômicos e a efetividade das decisões, inclusive sobre o interesse coletivo. Por exemplo, uma liminar determinando a cobertura do medicamento Zolgensma no valor de R$ 6,5 milhões para uma pessoa, representa 10.800 diárias de Unidade de terapia intensiva, ou 27 mil sessões de hemodiálise, ou ainda, 65 mil tomografias ou 2 milhões de tratamentos de sífilis, sendo essa última responsável por centenas de mortes infantis.

É importante incorporar no sistema judiciário regras simples como “sim, é sim” e “não, é não”. No âmbito da incorporação de tecnologias, por exemplo, onde tal medicamento “não” foi incorporado pelos órgãos competentes, como a CONITEC, então independentemente se o pedido para fornecimento do medicamento está sendo feito no judiciário, a resposta deve ser “não”, independente das razões do pedido médico do determinado paciente individual. Tal regra inclusive é objeto de tema de repercussão geral nº 1234 no Supremo Tribunal Federal.

A redução da judicialização beneficiará não apenas as operadoras de planos de saúde, mas também os consumidores, ao tornar os planos de saúde mais acessíveis e sustentáveis. Adotar novos modelos de tratamento da judicialização de saúde é preciso. Porque, em um cenário de recursos financeiros limitados, a melhor justiça não é conceder tudo para um em sede de um único processo e nada para a coletividade em razão do esvaziamento dos recursos.

Fernando Bianchi, Advogado, Sócio do M3BS Advogados e especialista em Direito da Saúde Suplementar.

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