SBMFC se manifesta sobre a nova Política de Financiamento para a Atenção Primária à Saúde

Uma Atenção Primária à Saúde (APS) de qualidade é fundamental e estratégica para que os sistemas de saúde funcionem adequadamente e sejam custo-efetivo. Desde o início da nova gestão do Ministério da Saúde, temos observado movimentos e ações que apontam para a qualificação progressiva da APS.

Uma delas é a nova proposta de financiamento da APS, apresentada pelo Ministério da Saúde na 1ª Reunião da Comissão Intergestora Tripartite (CIT), que ocorreu no dia 01 de fevereiro de 2024.

Ela avança prioritariamente em três sentidos, todos virtuosos:

1) Prioriza financeiramente a Estratégia Saúde da Família (ESF) com valores fixos consideravelmente superiores ao modelo das Equipes de Atenção Primária (EAPs). O retorno do financiamento fixo por equipe com um valor consistente (quase 60% do total) garante previsibilidade e permite um planejamento adequado por parte das gestões municipais para manutenção e principalmente expansão da cobertura da Saúde da Família proporcionando oportunidades de melhoras na assistência à saúde da população.

2) Mantem cerca de 20% do financiamento atrelado ao acompanhamento das pessoas em seu local de moradia, retomando um importante princípio histórico do modelo Estratégia Saúde da Família que considera o Território, elemento fundamental para o pensar e fazer práticas de saúde na APS, respeitando a dinâmica e a influência marcante dos determinantes sociais do processo saúde-adoecimento-cuidado.

3) Apresenta uma estratégia interessante ao propor indicadores para monitoramento da qualidade do cuidado e atrelar esse desempenho ao percentual de cerca de 20% do financiamento total. Um percentual que estimula os avanços a serem alcançados, mas que não penaliza os municípios com problemas históricos de organização das equipes locais de gestão da APS.

Um aspecto da proposta que parece necessitar de mais definição diz respeito aos indicadores, especialmente os que serão utilizados para a dimensão qualitativa da APS. Ressalte-se que as 15 áreas definidas são importantes e apontam um caminho para o pensar a qualidade da atenção à saúde. Entretanto, há que ter o cuidado de não repetir um dos grandes erros do Previne Brasil que foi justamente a escolha de indicadores frágeis, que enrijeceram o processo de trabalho das equipes que passou a ser completamente organizado para atendimento desses indicadores.

O cumprimento de indicadores deve ser um processo natural de uma equipe que faça um bom planejamento local, organize seu processo de trabalho e tenha uma constante oferta de processos de educação permanente e apoio institucional e a fundamental participação da comunidade no processo decisório local. A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade se interessa e pode apoiar nesta discussão.

Isto posto, vale apontar, a seguir, três dimensões estratégicas, ausentes, entretanto, na proposta. São as relativas à Gestão do Trabalho e à Gestão da Educação em Saúde. Sem profissionais adequados, com vínculo minimamente estruturado, nenhuma proposta de financiamento, por melhor que seja, consegue alcançar os resultados esperados, pois quem faz o trabalho acontecer são os trabalhadores.

  1. Valorização da qualificação profissional:

Passa da hora de avançar na valorização dos municípios que priorizem e criam condições reais para a contratação de profissionais especialistas em APS. Estamos nos referindo à Medicina de Família e Comunidade, à Enfermagem de Família e Comunidade e aos Odontólogos especialistas em Saúde da Família. O papel do MS poderia ser o de disponibilizar um incentivo financeiro adicional para equipes de saúde da família com esses especialistas em APS na sua composição. Neste tópico, também, valorizar os municípios que disponibilizem vínculos empregatícios mais estáveis, mais adequados financeiramente e mais respeitosos com os profissionais, o que, atualmente corresponde à uma parcela muito pequena dos municípios.

  1. Valorização da formação de especialistas para a ESF/APS:

Aqui, trata-se da necessidade premente de manter, regularizar e atrelar como complemento da bolsa de residência, o incentivo federal para equipes com Residentes de Medicina de Família e Comunidade, assim como para Enfermagem de Saúde da Família e Comunidade e Especialização em Odontologia da Saúde da Família. Importante que haja, inclusive ampliação do valor repassado atualmente, pois no caso dos médicos, a concorrência com o Mais Médicos, está desvalorizando os PRMFC que ao fim e ao cabo, têm maior impacto tanto em relação à formação mais adequada, quanto na qualificação estrutural do sistema de saúde municipal que uma estrutura docente assistencial consegue promover.

  1. Valorização da Interiorização dos Programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade (PRMFC):

Este processo deveria se dar prioritariamente através de convênios ou termos de cooperação técnica entre MS e instituições formadoras públicas com tradição na formação através PRMFC, evitando assim a fragilidade e variabilidade das políticas estaduais e municipais neste sentido. Há experiências nacionais bem-sucedidas que podem e devem ser ampliadas, inclusive pela possibilidade de interação e fortalecimento pedagógico para os Mais Médicos de cada município.

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