Falta de interoperabilidade desafia uma nova geração de serviços de saúde

Transformação digital, falta de interoperabilidade entre sistemas para intercâmbio de dados, inovação de startups de saúde e avanço da telemedicina, muito em função do forte impacto causado pela Covid-19 no mercado de serviços de saúde, foram alguns dos tópicos abordados por Jihan Zoghbi, presidente da Associação Brasileira de CIOs da Saúde (ABCIS) e CIO Ameplan Saúde; Lídia Abdalla, presidente-executiva do Grupo Sabin Medicina Diagnóstica, e Marco Antonio Gutierrez, diretor do Serviço de informática e o Laboratório de Informática Biomédica do Instituto do Coração HC-FMUSP, durante o painel “Quais as estratégias e desafios para criação de um novo modelo de atendimento à saúde”, realizado no segundo dia do evento 5×5 TEC Summit, nesta terça-feira 8/12.

Como pontuou Lídia Abdalla, do Grupo Sabin, a transformação do setor de saúde começou há 20 anos, mas, em 2020, a pandemia de Covid-19 fez os diversos atores do segmento trazerem a teoria para a prática; e em poucos meses. O Grupo Sabin, por exemplo, adiantou projetos que estavam no papel como a coleta para exames em sistema de drive-thru e o uso da plataforma de e-commerce para exames voltados à Covid-19, facilitando a contratação pelo paciente e com a mínima interação física. A pandemia aproximou a saúde, em termos de adoção e interação por meio de tecnologia, de outros segmentos. “A população estava acostumada a fazer transações financeiras, de transporte, pedir comida, comprar roupa etc. pelo celular, tudo isso já era consolidado e as pessoas faziam com naturalidade, mas não valia para saúde. Pandemia trouxe a tecnologia de fato para a nossa vida diária”, assinalou.

A Ameplan Saúde também adiantou serviços de modo que seus associados não ficassem desamparados, conforme contou Jihan Zoghbi, citando como exemplos investimentos em telemedicina para atendimento a distância e incremento no aplicativo. “Copiamos o aplicativo do Datasus e fizemos triagem de Covid-19. Conseguimos assim diminuir o tumulto no pronto socorro durante a pandemia e tivemos muita aderência a este produto tanto por parte dos médicos como pacientes”, afirmou.

Retaguarda para Covid-19, atuando nos casos de alta complexidade, o Instituto do Coração HC-FMUSP viveu dias difíceis no início da pandemia, mas foi capaz de gerar serviços em tempo recorde como, por exemplo, um sistema de telemedicina com todos os dados dos pacientes que, por questão de segurança, estão armazenados na instituição.

“Tivemos de desenvolver uma série de serviços, como agendamento de consulta, exames, prontuário eletrônico para o paciente não precisar ir ao hospital. Mas também não podíamos ficar sem atender pacientes crônicos”, relatou Marco Antonio Gutierrez. Um dos desafios era fazer os atendimentos de Covid-19 mantendo o acompanhamento de casos crônicos. “Desenvolvemos uma triagem eletrônica que gera score de risco para Covid. Monitoramos 12 mil pacientes e uma porcentagem deles foi encaminhada para serviços. Mas também temos os pacientes que acompanhamos há 20 anos, que temos histórico e isso nos proporciona dar atendimento eficiente por telemedicina”, disse.

Desafios da saúde

A falta de interoperabilidade ainda aparece como um empecilho a ser vencido, mas, como bem colocou Marco Antonio Gutierrez, esse não é um problema brasileiro. “Interoperabilidade entre sistemas é um problema não só aqui como no resto do mundo. Os Estados Unidos não têm prontuário eletrônico único, os hospitais não têm essa troca de informação eletronicamente. Na Europa é a mesma coisa. Aqui no Brasil há um esforço grande da RNDS [Rede Nacional de Dados em Saúde] para trocar informação entre instituições públicas e querem colocar para hospitais privados. Esta troca de informação pode reduzir custos uma vez que reduz exames repetitivos. Se não tiver visão holística, há desperdício de recursos”, assinalou.

O desenvolvimento de um prontuário único no Brasil também esbarra nas limitações impostas da Lei Geral de Proteção de Dados, ressaltou Gutierrez. “A LGPD coloca várias restrições para nós, porque, quando compartilhamos informação com outra empresa, o que acontecer com a informação na outra empresa passa a ser responsabilidade nossa. Aqui optamos por nuvem própria, com todos os dados sendo armazenados aqui e compartilhamos os dados com o paciente, que é o dono, e ele, sim, pode compartilhar com outras instituições”, explicou.

Um dos pontos-chaves da saúde – o controle de custo – está diretamente ligado ao maior uso da tecnologia, apontam os especialistas. Entre as opções que poderiam ser implementadas está a adoção de sistemas eletrônicos capazes de gerar alertas automáticos quando acontece a identificação de algo fora do padrão.  A maior adoção de inteligência artificial também deve ser um combustível extra para a inovação em saúde. A IA poderia ser usada para, por exemplo, priorizar um exame em uma fila de atendimento para um paciente em estado mais delicado.

A tecnologia é fundamental para reduzir o custo, assinalou Jihan Zoghbi. “Temos de ter a jornada do paciente, como um todo, conectada. Isso evita repetições de exames. Mas a interoperabilidade ainda é desafio no Brasil. Nós temos cinco hospitais e temos uma base única dos hospitais, investimos em nuvem quatro anos atrás para exames de diagnóstico para o paciente acompanhar de qualquer lugar”, contou. A tecnologia também pode ser uma grande aliada para a mudança da mentalidade de cuidar da saúde dos pacientes e não de doenças, atuando mais preventivamente. “Não vamos ter ecossistema sustentável, se não mudar modelo mental. Continuamos cuidando da doença e não da saúde”, assinalou Lídia Abdalla. “O planejamento muito bem feito do que você quer em termos de tecnologia e integração é muito importante para no final entregar cada vez mais valor aos clientes”, acrescentou, explicando que no Sabin existe o foco de entregar serviços de atenção primária.

Healthtechs

As startups que desenvolvem tecnologias voltadas para o sistema de saúde e tudo a ele relacionado estão em alta, mas carecem, na opinião dos debatedores, de mais conhecimento do setor. “Vemos muitas startups saindo sem que fundadores tenham conhecimento prévio de saúde e isso compromete o retorno. As empresas grandes têm de abraçar as startups, porque sem esse apoio não tem como startups andarem”, apontou Jihan Zoghbi, defendendo que o maior número de startups é bom para o mercado e que não se deve pensar em concorrência com elas, mas como complementariedade. “Precisamos de cultura de inovação para empresas entenderem que startups não são ameaça e não é que as grandes vão morrer e as startups vão pegar o mercado”, acrescentou Zoghbi.

Para Lídia Abdalla, as startups aportam não apenas novas soluções, mas mais agilidade e celeridade em processos. “Temos este olhar para startups desde 2014, atuando como aceleradora e vemos tendo curva de aprendizado”, disse. Assim como Zoghbi, Abdalla observou que muitas startups no setor da saúde precisam focar em suas estruturas e ter uma visão mais empresarial para entregar o que as instituições e o mercado realmente precisam. Junto com o Grupo Fleury, o Grupo Sabin Medicina Diagnóstica criou um fundo de corporate venture para investimentos em startups com R$ 200 milhões. “O objetivo é atrair para Brasil startups que tenham soluções que precisamos, além de investir em startups criadas aqui”, completou a presidente-executiva do Grupo Sabin Medicina Diagnóstica. Redação: Equipe 5×5 Tec Summit.

 

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