Após um investimento semente de US$ 3 milhões recebido em 2022, a Nintx (Next Innovative Therapeutics), biotech que pesquisa e desenvolve medicamentos para tratar doenças multifatoriais a partir da biodiversidade brasileira, acaba de captar mais US$ 10 milhões, entre recursos de uma rodada série A formada por investidores individuais e fundos de impacto com foco em startups de deep tech e uma subvenção econômica da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos).
Entre os nomes que participaram da rodada estão a casa de investimentos de capital de risco Pitanga, Ecoa Capital e parceiros e MOV Investimentos. Guilherme Leal, fundador da Natura e da Dengo, não só segue na Nintx como acionista, como participou da segunda rodada via Pitanga. Parceiro estratégico e investidor na rodada anterior, Peter Andersen, da Centroflora (fabricante de extratos botânicos, óleos essenciais e ativos isolados para a indústria farmacêutica), também permanece como acionista da companhia.
Os grupos Tiaraju (que desenvolve e fabrica medicamentos e suplementos) e Adeste (empresa especializada na transformação de subprodutos de origem animal e vegetal em produtos para os setores de alimentação, saúde, nutrição animal e pet care), parceiros estratégicos da Nintx, foram convidados e também participaram do novo aporte como forma de fortalecer as sinergias entre os negócios.
Os recursos da série A, bastante expressivos e sem precedentes para uma startup biotech no setor farmacêutico nacional, se somam a uma subvenção econômica da Finep no valor de R$ 13,7 milhões anunciada pela agência no fim de agosto. A Nintx foi a primeira empresa a receber recursos da Finep na linha temática de pesquisa e desenvolvimento de novos ativos farmacêuticos.
Os investimentos suprem os planos da empresa para os próximos anos, ao longo dos quais estão previstos a aceleração da pesquisa e desenvolvimento dos oito programas de P&D de novos medicamentos da startup, a maioria em parceria com empresas e ICTs como CIEnP e CNPEM (incluindo o uso do Sirius, um dos maiores aceleradores de partículas do mundo), contratação de mais pesquisadores, introdução de novas tecnologias e expansão do laboratório — que deve triplicar de tamanho.
A Nintx aposta em uma abordagem inovadora que busca combater doenças multifatoriais, que são causadas tanto por fatores genéticos quanto ambientais (nutrição, exposição química, estresse, estilo de vida), assim como pela interação entre eles, principalmente as mediadas pelo microbioma intestinal humano. A biotech propõe terapias chamadas de multi-target. Para isso, a empresa conta com tecnologias proprietárias como xGIbiomics®, que simula o sistema gastrointestinal, e GAIApath®, plataforma de data analytics por knowledge-graph que usa algoritmo proprietário para mapear conexões entre plantas, produtos naturais, alvos biológicos, o microbioma humano e doenças multifatoriais.
Até o momento, os programas de desenvolvimento incluem indicações terapêuticas diversas como Alzheimer, imunoterapia para câncer, Doença Inflamatória Intestinal, Síndrome do Intestino Irritável e Síndrome Metabólica. A avaliação é que, dos oito candidatos a medicamento que estão hoje no pipeline, 2 a 3 cheguem até a fase planejada de licenciamento global — expectativa com a taxa de sucesso típica do setor.
O modelo de negócio da Nintx prevê o desenvolvimento das terapias até o final da fase de estudos pré-clínicos (em animais), momento em que, pelo planejamento atual, ocorre o licenciamento para as grandes indústrias farmacêuticas, que vão dar continuidade ao desenvolvimento clínico (em humanos) e à comercialização dos produtos. A previsão da equipe é que o licenciamento do primeiro candidato a medicamento para uma Big Pharma ocorra ainda neste ciclo de três anos.
Para Gabriel Perez, o investimento é considerado um negócio de risco, mas também de alto potencial de retorno. “Nos Estados Unidos e Europa, startups biofarmacêuticas que começam a licenciar medicamentos inovadores para grandes empresas farmacêuticas podem atingir valuation de centenas de milhões de dólares. Nós acreditamos no potencial da Nintx em seguir por esse mesmo caminho”, afirma o Diretor do Pitanga Redux, veículo do Pitanga que teve a biotech como primeiro investimento ainda na rodada seed.
Segundo ele, o risco do investimento também é mitigado pela própria natureza da empresa. “Uma plataforma como a da Nintx permite a condução de múltiplos programas de pesquisa e desenvolvimento em paralelo e um fluxo contínuo de inclusão de novos programas no pipeline. Não se trata da descoberta de um único medicamento, do qual todo o sucesso da empresa e o retorno dos investimentos dependeriam”, explica.
“O que chamou nossa atenção foi o potencial de impacto social e ambiental da Nintx, porque ela valoriza ativos da biodiversidade com práticas agroflorestais, investimento em pequenos agricultores e a repartição de benefícios provenientes do licenciamento de medicamentos com as comunidades que eventualmente detiverem conhecimento sobre essas plantas. Além disso, a Nintx articula de forma ampla o sistema de ciência, tecnologia e inovação brasileiro”, conta Paulo Bellotti, da MOV Investimentos, fundo voltado ao apoio de iniciativas ESG e de transformação positiva em grande escala. “Finalmente, o currículo de peso de todo o time, tanto dos executivos quanto dos pesquisadores, nos deu a segurança de que esse potencial vai ser realizado ao mesmo tempo de forma visionária e responsável”, afirma.
Nova gestão. O novo aporte também coincide com o amadurecimento da gestão da Nintx. Stephani Saverio, que fundou a Nintx junto com os cientistas Miller Freitas e Cristiano Guimarães, passa a ocupar o posto de CEO da companhia em janeiro de 2025. Saverio tinha, até então, uma posição no Conselho de Administração, mas não possuía cargo executivo.
Com mais de 25 anos de experiência na liderança de equipes comerciais, de negócios e técnico-científicas em grandes grupos farmacêuticos, Saverio deixa a posição de Vice-Presidente Global de Desenvolvimento de Negócios da Knight Therapeutics, empresa de especialidade farmacêutica Pan-Americana (ex-US) com foco na aquisição, licenciamento e comercialização de produtos farmacêuticos inovadores para o Canadá e a América Latina, para assumir o desafio na Nintx.
“A Nintx vem cumprindo seu planejamento estratégico com excelência e esta estruturação no C-Level em que Saverio assume a posição de CEO, eu assumo a posição de CDO (Chief Development Officer) e Cristiano permanece na posição de CSO (Chief Scientific Officer) já fazia parte dos planos dos fundadores para esta próxima fase da startup”, afirma Miller.
“A Nintx é um caso raro no Brasil, onde os esforços de inovação radical ainda estão limitados a pouquíssimos atores e iniciativas, com a maioria das empresas focadas em tecnologias estabelecidas, resultando em falta de competitividade em nível mundial. Estamos no caminho para estabelecer uma biotech que nasce a partir da pesquisa e desenvolvimento de terapias realmente inovadoras como negócio principal, algo pioneiro na indústria farmacêutica brasileira”, complementa Saverio.
Essa singularidade se reflete no volume de recursos captados pela startup desde sua fundação, em 2021. A Nintx é considerada uma deep tech, termo dado às empresas com tecnologia complexa e base científica robusta, cujas soluções geralmente exigem longos períodos de pesquisa e desenvolvimento, mas que possuem um alto potencial de impacto, muitas vezes global.
Conforme o relatório de 2024 da Emerge Brasil, que levantou tendências desse ecossistema no país, pouco mais de 10% das deep techs brasileiras inscritas na plataforma da organização superaram a faixa de R$ 5 milhões em levantamento de recursos, ao passo que os investimentos na Nintx já ultrapassaram em mais de dez vezes esse valor.