O Brasil teria cerca de 3 bilhões de reais adicionais para combater a pandemia de covid-19 se não fosse um artigo na Lei de Propriedade Industrial que potencialmente aumenta a duração das patentes por tempo indefinido. Um estudo da consultoria GO Associados, com base em dados levantados pelo Grupo de Economia da Inovação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenado pela Profª Draª Júlia Paranhos, mostra que o gasto extra com apenas nove medicamentos de alto custo adquiridos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — e cujas patentes já ultrapassaram o período usual de 20 anos — seria suficiente para adquirir mais de 14 200 respiradores ou pagar por volta de 1,3 milhão de diárias em UTIs para tratar pacientes graves de covid-19.
A possibilidade de extensão da validade das patentes para além dos 20 anos adotados no resto do mundo é uma particularidade da lei brasileira. O parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial permite uma extensão indefinida na duração da validade de patentes no país. Na prática, na maioria dos países, em decorrência do acordo multilateral TRIPS (em inglês: Agreement on trade-related aspects of Intellectual Property Rights, ou Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio), de 1995, o prazo de vigência é fixo em 20 anos. No Brasil, porém, o prazo é variável, podendo superar os 30 anos. Essa possibilidade de extensão perpetua as perdas decorrentes de uma estrutura de mercado menos competitiva, impedindo a queda dos preços e sobrecarregando o SUS, responsável por boa parte das compras de medicamentos de alta complexidade, utilizados no tratamento de doenças como o câncer, a diabetes e a esclerose múltipla.
“A pandemia da covid-19 mostra como boa parte desses recursos poderiam ser melhor empregados”, diz o economista Gesner Oliveira, sócio da GO Associados. “Esse dispositivo da lei, criado como contraponto à demora na análise e concessão das patentes no Brasil, gera uma enorme distorção.” Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.529), de autoria da Procuradoria Geral da União e que pede a extinção do parágrafo único do artigo 40 da lei de patentes, deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal no segundo semestre deste ano.
Mais de 60 medicamentos com patentes estendidas
Atualmente, mais de 60 medicamentos — a maioria deles, biológicos — contam com a extensão de patentes no Brasil. Só podem, portanto, ser produzidos e vendidos pelos donos das patentes. A produção desses medicamentos, usados no tratamento de doenças complexas — é integralmente feita fora do Brasil.
No caso do estudo da GO Associados, foram levados em conta apenas nove desses medicamentos. O grupo considerou três valores base para os respiradores: 50 000 reais, 150 000 reais e 183 000 reais. Os dois primeiros valores referem-se a preços mínimo e máximo de respiradores em condições normais. O último foi o preço unitário dos respiradores adquiridos emergencialmente pelo governo do Estado de São Paulo. Para os leitos de UTI, adotou-se o preço médio diário de 1 600 reais.
A pesquisa foi encomendada pelo Grupo FarmaBrasil, que representa 12 farmacêuticas nacionais e será usado pelo grupo que defende a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da lei de propriedade industrial no STF. “Não somos contra a proteção patentária. Muito pelo contrário”, diz Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil. “Esse é um instrumento importante para remunerar de maneira adequada o inventor e seus investidores, em qualquer indústria. Mas precisamos estabelecer previsibilidade a todos os pares, sobretudo no setor fármaco, em que milhares de vidas podem ser beneficiadas pela produção de medicamentos em maior escala a preços mais acessíveis.”
Segundo dados do INPI, 96% das patentes de medicamentos concedidas no Brasil entre 2000 e 2016 tiveram incidência do parágrafo único do art. 40, possuindo duração superior a 20 anos.
Outros efeitos nocivos
O desperdício de recursos que poderiam ser alocados em outras áreas prioritárias é apenas um dos custos transferidos à sociedade em virtude do parágrafo único do artigo 40. O estudo também mostrou as seguintes consequências:
- Perpetuação de monopólios e consequentemente sobrepreços na economia, em especial de fármacos e produtos tecnológicos;
- Distorções intersetoriais de duração das patentes, impossibilitando uma compensação justa aos inventores;
- Insegurança jurídica, acarretando incerteza sobre possibilidade de investimentos e ritmo mais lento de inovação;
- Criação de barreiras à entrada de novos concorrentes, que competem em condições menos favoráveis; e
- Intensificação dos atrasos na análise dos pedidos de patentes devido à criação de incentivos para depósitos meramente estratégicos e de pedidos menos claros.