A origem dos medicamentos: da floresta para a farmácia

Comprar um remédio numa farmácia pode parecer algo simples: basta passar alguns minutos em consulta com um médico, contar alguns problemas e sintomas, passar pelo exame físico e aguardar que algum nome estranho — e geralmente sem muito sentido aparente — seja rabiscado num pedaço de papel ou, se você der sorte, ele será impresso. Pronto, você tem uma receita médica e está munido de tudo que precisa para visitar a sua farmácia preferida e adquirir um medicamento que promete ajudar seu corpo a combater alguma condição de saúde.

Mas, por acaso, você já se perguntou de onde veio aquele comprimido? Ou como descobriram aquela substância? Afinal, de onde vêm os medicamentos? A resposta para essas perguntas é uma jornada que dura décadas e pode custar até US$ 2,6 bilhões.

Existem duas grandes vias de criação de um novo medicamento. A primeira e mais tradicional é se basear num efeito já conhecido de alguma substância e fazer dela um medicamento. Um clássico exemplo, inclusive brasileiro, é o estudo que levou o veneno da Jararaca a se tornar o remédio para controlar a pressão arterial, chamado Captopril. Percebeu-se que, ao atacar uma presa, a Jararaca injetava seu veneno, causando uma grande queda de pressão que deixava a sua vítima inconsciente. Os indígenas inclusive usavam esse veneno na ponta de suas flechas para simular esse mesmo efeito. Não é difícil chegar à conclusão que, um certo dia, pesquisadores olharam para esse fenômeno e pensaram que existe algo no veneno da jararaca com potencial de abaixar a pressão, bastava identificar a molécula responsável por esse efeito e ajustar a dose para que essa queda fosse controlada e não letal. Alguns anos se passaram e hoje o Captopril é uma das moléculas mais utilizadas em prontos-socorros ao redor do mundo para pacientes com pressão elevada.

A outra via para criar um remédio é a partir da doença. Hoje, através de engenharia genética, podemos identificar sequencias de DNA responsáveis por causar uma doença e lançar mão de diferentes estratégias para impedir o indivíduo sofra as consequências de ter esse gene. Muitos pesquisadores estão dedicados a trabalhar com edição genética, ou seja, realizar alterações no DNA da pessoa de forma a “deletar” um pedaço indesejado do DNA. Outras pesquisas giram em torno do RNA de interferência, que nada mais é do que uma molécula que se liga do RNA do gene, impedindo que ele se expresse, mesmo que ele esteja ativo no indivíduo. Muitas ferramentas de inteligência artificial também atuam identificando possíveis moléculas para atuarem em alvos ou receptores específicos.

Contudo, independente da via de criação do medicamento, todos eles precisam passar pelas mesmas fases de teste, que podem ser divididas em três momentos. A primeira fase são os testes laboratoriais, também chamados de testes in vitro, que consistem em se testar os medicamentos em células e ambientes totalmente controlados, sem o uso de seres vivos. A cada 10 mil remédios que são testados in vitro, apenas 250 avançam para a próxima fase.

A fase seguinte são os testes pré-clínicos ou testes em animais. Nesse momento, é bom deixar claro que ao longo dos últimos anos grandes avanços têm sido feitos para se reduzir o uso de animais nas pesquisas científicas, mas um uso reduzido e controlado ainda se faz necessário em pesquisas de medicamentos, para garantir, principalmente, a sua segurança antes de testá-los em humanos. Tecnologias como impressão 3D de tecidos e órgãos humanos podem reduzir a zero a necessidade de teste em animais, mas essa etapa ainda é necessária hoje em dia. A cada 250 novos medicamentos testados em animais, 5 avançam para a última fase, que são os testes em humanos.

De fato, uma vez comprovado a eficácia e segurança de um remédio nos testes pré-clínicos, esse medicamento está pronto para ser testado em humanos. Muitos de nós acompanhamos essa fase em tempo real com as pesquisas de vacinas contra a Covid-19. Os testes em humanos são a última, mais criteriosa e mais cara etapa. Após a comprovação do efeito desejado, o medicamento pode ser lançado no mercado e a farmacêutica responsável pelo lançamento deve ainda se comprometer em monitorar os pacientes pelos próximos anos, a fim de identificar possíveis efeitos adversos a longo prazo, que só podem ser descobertos após um longo tempo de uso da droga.

Toda essa jornada é extremamente cara e demanda cerca de dez a 15 anos após a identificação do medicamento. Motivo pelo qual a farmacêutica que lança um medicamento no mercado geralmente pratica um preço mais elevado e tem exclusividade na venda daquela substância. Sem isso, não seria possível investir na descoberta dos próximos medicamentos. Após passados os anos de exclusividade, concorrentes podem passar a produzir o medicamento também, o que naturalmente leva a uma redução do preço para uma zona mais competitiva.

Por fim, no Brasil, estruturas que auxiliam os pesquisadores a percorrer todas essas etapas estão começando a surgir e, em breve, poderemos ver muitos mais medicamentos derivados da riqueza da natureza brasileira sendo colocados em teste e levando cada vez mais Saúde para a população do mundo todo.

*Carlos Zago é CEO da MKM Biotech, empresa de investimentos em venture sciences e biotecnologia, dedicada auxiliar negócios que promovam a saúde.

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