Ao misturar medicamentos, mesmo para combater sintomas totalmente distintos ou específicos, é possível que ocorram reações adversas e perigosas a nosso organismo. O próprio slogan “Este medicamento é contraindicado em caso de dengue”, exibido diariamente em canais de televisão, já é um sinal de alerta sobre tais riscos. Para que um medicamento seja lançado ou disponibilizado no mercado, são necessários muitos estudos, testes e homologações até a sua definitiva aprovação, que pode passar de 10 anos envolvendo todo o processo, indicando que sua eficácia para tratar sintomas em potencial é praticamente certa.
Entretanto, um ponto de extrema importância é que temos poucas informações sobre os efeitos adversos que tal medicamento pode causar quando combinado a outras medicações. Tais informações, na verdade, são coletadas só depois, ou como fiscalização pós-marketing (Post Marking Survalliance), e são reportadas por clínicas, médicos, empresas e usuários, à medida que tais adversidades passam a ser identificadas e associadas ao medicamento. Nos Estados Unidos, o órgão responsável por manter informações de adversidades é o Food and Drug Administration (FDA). No Brasil, esse órgão é a ANVISA. Mas esse cenário pode mudar com o uso de inovação.
Uma pesquisa apresentada no TED Talk releva como é possível identificar efeitos colaterais oriundos da combinação de medicamentos por meio da análise de dados e machine learning. A equipe de cientistas de dados analisou as informações disponíveis na base do FDA e comparou as interações entre vários pares de medicamentos. Para alguns desses pares, os profissionais notaram que houve um aumento considerável no nível de glicose do indivíduo, mesmo que, quando tomados individualmente, os mesmos medicamentos não causassem o referido efeito colateral.
Um fato chamou mais atenção dos cientistas. Dessa lista de pares de medicamentos que estavam causando aumento de glicose, dois medicamentos são muito comuns, sendo um deles prescrito para tratamento de controle do colesterol e o outro para depressão.
Diante da evidência levantada pela análise de dados, a equipe resolveu consultar alguns institutos e procurar identificar se pacientes que estavam tomando ambos medicamentos tiveram aumentos no nível de glicose no sangue e/ou estavam desenvolvendo diabetes. A constatação foi que realmente houve um aumento considerável no nível de glicose, tanto para pacientes não diabéticos como em pacientes diabéticos. Na realidade, o aumento na taxa de glicose para pacientes diabéticos foi ainda maior.
Comprovação Indireta
A equipe de cientistas não parou por aí e passou a desenvolver um modelo de análise de dados através de pesquisas realizadas por pessoas em sites de busca e identificaram um conjunto de palavras relacionadas aos sintomas de diabetes como fadiga, urinando muito, falta de apetite, entre outros. Depois, analisaram as consultas desses sintomas somados a nomes dos medicamentos.
Para a surpresa da equipe, o resultado apresentou um número expressivo de procuras com palavras relacionadas a sintomas de diabetes com os dois nomes dos medicamentos do estudo. Ou seja, as pessoas estão reportando “indiretamente” os efeitos adversos de medicamentos através de “sites” de busca.
Comparar o que as pessoas buscam na Internet com informações de entidades oficiais nos mostra como essas consultas apresentam um comportamento semelhante aos dados oficiais, mas em tempo real.
A eficácia da comparação também levanta possibilidades de correspondências entre dados de outros setores da medicina, como, por exemplo: como uma doença se espalha, ou ainda, quais regiões apresentam maior sintomas de determinadas doenças.
O estudo mostra que, com o uso de análise de dados e de técnicas de machine learning, é possível identificar comportamentos adversos de medicamentos até então desconhecidos pelos órgãos responsáveis.
Todavia, a pesquisa está focada em análise de dados de pares de medicamentos, ou seja, de apenas dois medicamentos combinados. Na realidade em que vivemos hoje, entretanto, é muito comum ingerirmos 3, 4, 5 ou até mais medicamentos simultaneamente, o que gera uma grande falta de conhecimento e informações a respeito dos efeitos colaterais ou adversos que tais combinações podem causar.
O lado positivo de tais iniciativas é que existem muitas referências por medicamentos na web, nos quais é possível identificar de antemão a existência ou não de potenciais efeitos colaterais quando um determinado medicamento foi combinado com outros. Este é apenas o início de uma extensa área de possibilidades de estudos e análises que podem nos mostrar o que realmente acontece quando misturamos medicamentos.
João Maia, executivo de Estratégia Digitais do Venturus (foto) e Rafael Gava de Oliveira, analista de Desenvolvimento do Venturus.