Doença de Fabry: falta de conhecimento e sintomas inespecíficos desafiam o diagnóstico

A Doença de Fabry é uma condição hereditária rara, transmitida entre gerações de uma mesma família, caracterizada pela deficiência da enzima alfa-galactosidase A, responsável por eliminar toxinas das células, resultando no acúmulo de gordura nos lisossomos i. Os sintomas de Fabry são decorrentes desse acúmulo de gordura, que leva a um processo inflamatório e de dano tecidual, e incluem crises de dor com queimação nos pés e mãos, dores abdominais com diarreia ou constipação frequente, febre recorrente, ausência de suor e inchaços pelo corpo, podendo ser confundida com outras condições, como lúpus, dores do crescimento, artrite reumatoide e esclerose múltipla [i].

O tempo até diagnóstico é fundamental para o início do tratamento precoce, permitindo manejar os sintomas e evitar consequências irreversíveis como a doença renal crônica, arritmias, e derrames i. No Brasil, um levantamento do Instituto Vidas Raras apontou para a existência de 853 casos diagnosticados em 2017iii, porém estima-se que esse número está subdiagnosticado, principalmente, devido ao atraso no diagnóstico visto à semelhança dos sintomas de Fabry com outras condições, além da falta de conhecimento sobre a doença, inclusive dos profissionais de saúde – na faculdade de medicina não se ensina sobre doenças raras, o foco está nas doenças frequentes – a jornada do paciente até o diagnóstico correto pode ser longa, com relatos de mais de duas décadas de demora iv.

Para quem é fã de séries de TV, recomendo assistir o episódio 3 da temporada 6 de Dr. House, um médico controverso e especialista em diagnósticos difíceis que consegue fechar quase todos, quando nenhum outro profissional conseguiu. Apesar de ter uma pitada ficcional, o episódio denominado O Grande Fiasco, é uma das raras exceções em que ele não conseguiu descobrir o que afetava o paciente, fazendo um paralelo com a realidade da Doença de Fabry.

Isso porque para fechar o diagnóstico, é necessário um exame específico que normalmente não é solicitado se o profissional de saúde não pensar em Fabry – a dosagem da atividade enzimática da alfa-galactosidase A, que se abaixo do valor de referência, indica que há deficiência enzimática e consequente acúmulo de gordura nas células i. Além disso, normalmente é realizada a investigação genética para avaliação do gene GLA, responsável pela produção da enzima alfa-galactosidase A, além de exames são realizados para avaliar a atividade da doença, como o biomarcador Liso-Gb3, e o comprometimento de órgãos alvo, como rins, coração e cérebro i.

É crucial aumentar a conscientização sobre essa doença entre pacientes, cuidadores e profissionais de saúde, para promover um diagnóstico mais ágil e preciso e assim melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados. Tão importante quanto, é garantir que os pacientes tenham acesso ao tratamento adequado – atualmente o SUS avalia a inclusão de uma opção terapêutica, um tratamento de reposição enzimática para suprir a falta da enzima α-galactosidase Av, que ampliará as opções terapêuticas e possibilitará uma abordagem mais personalizada, de acordo com as condições de cada paciente i.

Dra. Ana Maria Martins, graduada em Medicina pela Universidade de Taubaté, com especialização em Pediatria. Possui mestrado em Ciências Aplicadas à Pediatria e doutorado em Medicina pela mesma instituição. Pós-doutorado pela University of Pittsburgh e University of California, além de título de especialista em genética clínica pela Sociedade Brasileira de Genética Médica. Atualmente, é Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo e Diretora de Centro de Referência em Erros Inatos do Metabolismo da UNIFESP.

Referências:

[i] Ortiz A et al. Fabry disease revisited: Management and treatment recommendations for adult patients. Mol Genet Metab. 2018 Apr;123(4):416-427.

[iii]CONITEC. Relatório no 384 – Alfa-agalsidase e beta-agalsidase como terapia de reposição enzimática na doença de Fabry. 2018.

[iv] Wilcox WR, Oliveira JP, Hopkin RJ, Ortiz A, Banikazemi M, Feldt-Rasmussen U, et al. Females with Fabry disease frequently have major organ involvement: lessons from the Fabry Registry. Mol Genet Metab. 2008;93(2):112-28.

[v] COMISSÃO NACIONAL DE INCORPORAÇÃO DE TECNOLOGIAS DO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (CONITEC), Diretrizes Brasileiras para Diagnóstico e Tratamento da Doença de Fabry. Ministério da Saúde. 2021 Disponível em: Acesso em: 05/11/2023.

Referências:

[1] AQUINO, R. L. de; et al. Perfil epidemiológico e clínico de paciente com doença de fabry. Rev. enferm. UFPE on line., 2019;13: e241389. Disponível em: Acesso em: 11/10/.

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