Medicina Laboratorial: Ciência e Evidência

Dados de literatura científica demonstram que 70% das decisões clínicas são baseadas em informações geradas por exames laboratoriais, endossando a criticidade destes dados para a assistência à saúde e para a segurança do paciente, e deixando clara a necessidade de utilização de padrões e parâmetros de qualidade para assegurar o controle destes processos, tais como validação dos métodos, participação em ensaios de proficiência e utilização de  regras de garantia da qualidade analítica, definição de precisão e acurácia de cada ensaio, entre outros.

A inovação tecnológica permite o aprimoramento dos ensaios analíticos e melhora significativamente a contribuição dos exames laboratoriais na assistência à saúde, uma vez que esta traga consigo evidências claras de seu desempenho e da ausência de risco aos pacientes.

Temos sido bombardeados nos últimos anos com notícias de startups na área da saúde, trazendo ao nosso setor inovações de produtos e processos, que tendem a contribuir de forma disruptiva com a Medicina Laboratorial. A velocidade destas inovações tem, em alguns casos, atropelado os processos de garantia da qualidade e da transparência da evidência científica, tão necessárias no desdobramento dos novos conhecimentos para a população em geral, e não apenas para poucos indivíduos.

Falta de transparência

Um bom exemplo deste modelo é a empresa norte americana Theranos, que com poucos anos de existência alcançou os noticiários financeiros e de negócios, inclusive em mídias nacionais, tornando-se uma empresa bilionária e com importante aporte de capital de investidores; porém sempre trouxe dúvidas e questionamentos nos editoriais científicos devido à sua falta de transparência e foco único e exclusivo na geração de capital. Com uma inovação que parecia ser extremamente interessante nos processos de coleta e análise de baixos volumes de amostra, a falta de evidência fez com que seus contratos fossem rescindidos, tal como o modelo de coleta em parceria com a rede Wallgreens, suas licenças de operação cassadas por instituições reguladoras norte-americanas, e, mais recentemente, a suspensão temporária de atuação no setor de saúde de sua fundadora, Elizabeth Holmes.

Seus erros: falta de transparência e ausência de evidências de utilização de critérios de qualidade. Na última edição do Congresso Americano de Química Clínica, que aconteceu na Filadélfia, Elizabeth Holmes e sua empresa tiveram a oportunidade de apresentarem suas tecnologias e dados de qualidade, porém optaram por demonstrar apenas dados preliminares de tecnologias que ainda não estão sendo utilizadas, não demonstrando fatos e dados sobre os exames realizados nos últimos anos; o que manteve a dúvida frente à qualidade destes testes pela comunidade científica especializada, incluindo especialistas da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial (SBPC/ML).

A geração de capital e o retorno sobre investimentos na área de saúde são fundamentais para a sustentabilidade do setor; porém devem ser alcançadas por meio de procedimentos eficazes e serviços de qualidade; e nunca por trade-offs que coloquem nossos pacientes em risco. Esta permanece sendo a única forma de podermos continuar investindo em inovações, melhorias de processos e na qualidade dos serviços e procedimentos e, principalmente, no conhecimento dos profissionais da saúde.

A formação de um médico especialista em Patologia Clínica / Medicina Laboratorial se faz com seis anos de graduação e três anos de especialização na residência médica; isto é, quase uma década dedicada ao estudo das práticas laboratoriais e a correlação da informação gerada com os aspectos clínicos, de modo a gerar valor agregado na assistência à saúde tanto para o médico solicitante dos exames quanto aos pacientes. Estes profissionais da saúde, pessoas tecnicamente habilitadas e cientificamente treinadas, devem obrigatoriamente fazer parte dos processos de inovação e, especialmente, na validação destas tecnologias, para que possam gerar benefícios a toda a população. Com saúde, não se brinca. Com Medicina Laboratorial, também não.

Gustavo Campana, diretor de comunicação e marketing da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial e diretor médico do DLE Medicina Laboratorial.

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