Na saúde digital, médicos devem estar no centro da inovação tecnológica

Seguindo a tendência de outros mercados como varejo e serviços financeiros, produtos de saúde digital surgiram com total foco no consumidor – no caso, o paciente. Direcionar produtos aos consumidores não é surpreendente: segue a lógica da disrupção tecnológica, que elimina intermediários sempre que possível. Contudo, essa estratégia parece não englobar a complexidade que é cuidar das pessoas. 

Os produtos de saúde digital precisam envolver não apenas os consumidores, mas também um espectro amplo de atores, como médicos, pacientes, seguradoras e reguladores – cada qual com uma opinião sobre a adoção de uma nova tecnologia. No entanto, de acordo com estudo da University College London, apenas 20% dos aplicativos relacionados à saúde baixados em 2018 tiveram informações ou conselhos de médicos durante seu desenvolvimento. 

Obviamente, o contato de um médico com a tecnologia não se dá sem atritos – muitos profissionais resistem diante de uma infinidade de aplicativos que não se integram a seus sistemas ou não lhes dão as informações de que precisam. Naturalmente, eles têm relutado em entrar na nova era digital, o que fez com que poucos dos benefícios anunciados para o atendimento ao paciente fossem alcançados. 

O valor agregado pelo médico não é apenas o acesso que ele proporciona ao conhecimento ou à medicação: é a própria relação. Um exemplo é o problema recorrente da adesão do paciente. Cerca de 40% dos pacientes não seguem as recomendações de tratamento, comprometendo seriamente a capacidade de controle de doenças. Mas descobriu-se que as taxas de adesão são quase três vezes maiores nas relações de atenção primária, caracterizadas por níveis muito altos de confiança, em que os médicos têm o conhecimento do paciente em sua integralidade. 

Na América Latina, especificamente, há ainda mais desafios. Os sistemas de saúde da região são caracterizados por um nível elevado de fragmentação entre o Estado, seguros de saúde e clínicas privadas, e segmentação entre diferentes instituições – sindicatos, seguradoras, hospitais e clínicas especializadas. Os médicos podem ter contratos com 20 ou mais deles, trabalhando de forma independente. Assim, a relação do paciente é, antes de tudo, com o seu médico. 

O mercado de tecnologia percebeu isso. Estudo do fundo americano Rock Health (2017) descobriu que mais de 60% das empresas de saúde digital que começaram como modelos de negócio voltados ao consumidor mudaram eventualmente para B2B ou B2B2C. Além disso, quase 80% do investimento de venture capital para a saúde vai para modelos B2B ou B2B2C. Agora, é comumente aceito que o B2C não funciona na área da saúde. 

Os médicos estão cada vez mais interessados em ajudar a construir as soluções ideais de saúde digital. Estudo recente da American Medical Association (AMA) descobriu que 87% dos médicos acreditam que a saúde digital oferecerá alguma vantagem real aos cuidados que eles podem fornecer aos seus pacientes. Na pesquisa, 42% dos entrevistados também disseram que gostariam de ser responsáveis pela futura implementação de soluções de saúde digital e 47% deles gostariam de, pelo menos, serem consultados. 

É o médico que poderá recomendar a solução digital mais adequada; aconselhar e monitorar o uso correto do aplicativo; promover motivação e adesão; e, ao integrar os dados produzidos com as suas próprias informações, será capaz de compreender, tirar conclusões e tomar decisões que lhe permita prestar um melhor atendimento ao paciente. É hora de aprender com os erros do passado. A transformação digital na área da saúde não acontecerá repetindo os mesmos padrões de outros mercados. O que está em jogo não é um par de sapatos que não serviu ou uma casa de férias que não corresponde às expectativas. São vidas humanas. 

*Mariano García-Valiño é fundador e CEO da Axenya.

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