A medicina passou por uma transformação sem precedentes nos últimos anos, impulsionada pela digitalização dos atendimentos e pela introdução das teleconsultas. A pandemia de COVID-19 acelerou esse processo, forçando médicos e pacientes a adotarem a tecnologia como uma ferramenta essencial para a continuidade dos cuidados de saúde. No entanto, à medida que nos adaptamos a essa nova realidade, também nos questionamos sobre o futuro da medicina após a digitalização dos atendimentos.
Em um primeiro momento, ponderar essa questão pode parecer pouco útil, como se a medicina digital tivesse sido uma consequência passageira da pandemia. Afinal, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital, mais de 7,5 milhões de consultas foram realizadas por telemedicina entre 2020 e 2021, anos marcados pela COVID-19. No entanto, a regulamentação das teleconsultas em 2022 por meio da Lei 14.510/22 e as tendências futuras mostram que tais tecnologias vieram pra ficar. A telemedicina pode alcançar um valor de US$ 857,2 bilhões globalmente até 2030, representando um crescimento anual de 18,8% dentro do cenário da saúde digital, de acordo com o relatório Distrito Healthtechs Report, lançado em 2023. Dessa forma, se não é loucura pensar numa efetiva digitalização dos atendimentos, a pergunta retorna: qual o futuro da medicina depois disso?
A resposta reside na inteligência artificial (IA), uma inovação tecnológica que tem provocado mudanças profundas em quase todos os setores da sociedade. A medicina, nesse sentido, não está alheia às transformações e ferramentas de IA já começaram a ser discutidas e implementadas aos poucos no setor. Se hoje o uso da tecnologia para a realização de atendimentos médicos já é uma realidade, as empresas e hospitais que desejam ir além devem considerar outras ferramentas que otimizam o tempo do médico durante a consulta. Esse preparo estratégico inevitavelmente passa pela inteligência artificial.
Essa investida em direção a novos horizontes tecnológicos para a medicina certamente não é uma tarefa fácil. Uma parcela considerável da população ainda resiste às teleconsultas ou não possui afinidade suficiente com os recursos tecnológicos para utilizá-las, e essa rejeição é ainda maior quando o assunto é inteligência artificial. A privacidade dos dados e a segurança digital são pautas que têm gerado debates acalorados, sobretudo diante das polêmicas com as inteligências artificiais mais recentes. No entanto, apesar da grande preocupação com a segurança de dados sensíveis do setor da saúde, as principais plataformas de dados estão investindo consideravelmente em alternativas para evitar a perda de informações. Por isso, é preciso tomar cuidado ao utilizar essa tecnologia, mas negá-las é um equívoco.
Um dos principais benefícios do uso de ferramentas de assistência médica baseadas em IA é a capacidade de proporcionar um atendimento mais humano. Durante uma consulta, o médico pode se dedicar totalmente ao paciente, ouvindo suas preocupações, fazendo perguntas relevantes e oferecendo orientações sem a distração de ter que escrever tudo graças às ferramentas de transcrição. Antes e depois da consulta, os prontuários eletrônicos também pode ser criados de forma automática. Além disso, as IAs podem analisar os dados dos pacientes em tempo real, sugerir diagnósticos potenciais, alertar o médico sobre possíveis interações medicamentosas e até mesmo recomendar tratamentos com base em evidências científicas. Isso não apenas melhora a precisão do diagnóstico, mas também aumenta a eficiência do processo de tomada de decisão médica.
De acordo com um mapeamento feito pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) e a Associação Brasileira de Startups de Saúde (ABSS), 62,5% das instituições utilizam IA de alguma forma, seja em chatbots de atendimento, em segurança da informação ou apoio à decisão clínica. Ainda segundo a pesquisa, 51% dos participantes alegaram que, com a utilização da inteligência artificial, foi possível obter resultados práticos e visualizar isso se refletindo em efeitos positivos na estrutura de saúde. Sendo assim, é evidente que as IAs podem ser benéficas para a medicina, mesmo com as incertezas e hostilidades que as cercam.
A chave para essa inovação tecnológica é a responsabilidade na transição. Questões de privacidade e segurança dos dados dos pacientes devem ser cuidadosamente consideradas, e os médicos devem ser treinados para usar essas ferramentas de forma eficaz. A inteligência artificial não é uma ameaça à profissão médica, mas sim uma aliada poderosa que pode transformar a maneira como cuidamos das pessoas. Com um uso estratégico, ético e responsável, o artificial pode ser o impulso que faltava para que a saúde digital seja mais humana do que nunca.
Felipe Napoli, co-fundador e CEO do Agendart.