Em um mundo em permanente evolução, que faz com que saúde e tecnologia encontrem caminhos convergentes, a gamificação vem se posicionando como um recurso cada vez mais valioso.
Diretamente atrelado ao monitoramento, manutenção e melhora de dados clínicos e a tratamentos terapêuticos, o mercado de jogos orientados à saúde foi avaliado em mais de US$ 3,15 bilhões em 2022, e estima-se que alcance cerca de US $ 15,95 bilhões até 2030, com uma taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 22,5% de 2023 a 2030 (Horizon Grand View Research).
Esse crescimento é atribuído, em parte, aos consistentes avanços tecnológicos relacionados à coleta, processamento e tráfego de dados em tempo real (GPS, 5G, IoT, IA, por exemplo) e à adoção massiva de smartphones e gadgets. E, em parte, também pode ser atribuído a uma nova abordagem em relação à saúde, na qual os indivíduos são convidados a assumir um papel mais proeminente em relação ao próprio bem-estar e na qual o cuidar da saúde ganha cada dia maior relevância.
Cabe ressaltar que gamificação é a metodologia por trás do desenho de jogos. Não é o jogo em si, mas sim o componente motivacional aplicado de forma ampla ao desenho e à arquitetura dos jogos.
No contexto de saúde, essa metodologia é incorporada no desenvolvimento de plataformas e/ou aplicativos sob medida, orientados a cenários clínicos e terapêuticos. A lógica desafio-recompensa, moldada sob uma narrativa possível – mas não certa -, confere ao jogador, neste caso ao paciente, parte da responsabilidade pelo resultado. Essa coautoria incentiva o engajamento à medida que os desafios são programados para suceder em escala compatível aos níveis de aptidão e ao desempenho de cada participante.
Numa cadeia extensa como a de saúde, que, analisada sob diferentes perspectivas, invariavelmente se sustenta na confiabilidade e na governança de dados, dispor de uma ferramenta motivacional no front-end e eficiente no back-end, certamente, significa potencializar melhores resultados. Tanto que, em 2022, o artigo A gamificação da saúde, publicado no Brasil pela RBTI (Revista Brasileira em Tecnologia da Informação), revisou 156 trabalhos científicos sobre gamificação em saúde, publicados na PubMed, Cochrane Library e CAPES entre 2012 e 2021.
A publicação deu destaque ao estudo de Santosh Krishna, Telemedicine and e-Health – 2009, que realizou 25 estudos clínicos, em 13 países, num total de 38.060 pacientes/amostras, identificando mudanças de comportamento benéficas na abstenção do tabaco, atualização vacinal e uso correto de medicações em 80% dos pacientes. Também identificou a melhoria clínica de doenças como diabetes e transtornos mentais em cerca de 92% dos pacientes. Todas as evidências atreladas ao uso de aplicativos gamificados.
Uma série de outros estudos e artigos também revelam a utilização de aplicativos gamificados para o combate e reversão da obesidade, para o controle de patologias associadas ao sistema imune, bem como associados à área de tratamentos crônicos complexos e à desospitalização.
Os exemplos são incontáveis. Estão em diferentes âmbitos e escalas e corroboram, de uma forma ou de outra, o diferencial competitivo da gamificação em relação a abordagens convencionais. Nesse sentido é possível identificar nove características:
1) Motivação intrínseca: Sistemas gamificados em saúde motivam
intrinsecamente a iniciação e a continuidade de comportamentos saudáveis ao contextualizarem a narrativa às particularidades de cada indivíduo e às suas necessidades reais.
2) Sensores onipresentes: Rastreadores de atividade e dispositivos móveis, com alta capacidade de processamento, armazenamento, conexão e exibição, são promotores de hábitos que, quando associados a aplicações gamificadas de saúde, se tornam agentes personalizados potencializadores da saúde.
3) Apelo multipúblicos: À medida que um público cada vez mais amplo conhece e participa de jogos de entretenimento, os elementos presentes no design de jogos encontram menor resistência do público de forma geral.
4) Interface proativa: Interfaces gamificadas são, além de amigáveis e intuitivas, cenários dinâmicos sujeitos à incorporação de elementos lúdicos no decorrer da narrativa, o que favorece intervenções oportunas e proativas.
5) Hiperpersonalização: Plataformas e aplicativos gamificados de nicho, amparados por IA, permitem uma personalização sob medida, modelada e ajustada às necessidades e especificidades de cada indivíduo e tratamento.
6) Aplicabilidade ao contexto geral de enfermidades da saúde e bem-estar: A gamificação tem aderência a todas as principais enfermidades de riscos, principalmente as crônicas: obesidade e controle de peso, adesão à medicação, tratamento e procedimentos de reabilitação, bem-estar e transtornos da mente, consumo de drogas, diabetes, câncer, asma etc.
7) Custo-benefício: Aprimorar ou reequipar sistemas de saúde existentes e melhorar os novos com uma “camada de jogo” envolvente tende a ser mais simples e mais eficaz que a reedição e a elaboração de programas de tratamento conhecidos pela baixa adesão ou descontinuidade.
8) Reorganização cotidiana: Sistemas gamificados que usam telefones móveis e/ou rastreadores de atividades podem abranger praticamente todas as atividades diárias rastreáveis e com isso contribuir para reorganização de padrões de conduta cotidianos já em andamento de maneira a corrigi-los ou promovê-los.
9) Suporte ao bem-estar: Além de motivar comportamentos de saúde, o envolvimento com aplicativos gamificados pode contribuir diretamente para o bem-estar estendido ao identificar e fomentar experiências positivas que vão de encontro a necessidades psicológicas básicas de engajamento, relacionamento e significado.
As evidências mostram que o vínculo entre saúde e tecnologia é um caminho natural e que há iniciativas bem-sucedidas na mesma medida que há lacunas a serem preenchidas. Os avanços tecnológicos nos colocam em uma condição historicamente privilegiada, capaz de conectar os quatro cantos do mundo e de processar um volume inimaginável de informação de forma ágil, precisa, interoperável e com modelos aptos a compreender inclusive nossa forma de linguagem natural.
Vincular esses avanços a uma metodologia que ampara, incentiva e reconhece o mérito de esforços isolados, muitas vezes solitários, é de extremo valor. E a gamificação faz isso, de forma hiperpersonalizada, e vai além: coloca o indivíduo no centro da ação e instiga-o, sistematicamente, a assumir o protagonismo. Não por acaso essa é uma metodologia mundialmente reconhecida por seus altos índices de engajamento e resultados reais.
Adriana Matte, Softtek Latam Industry Marketing Partner, e Nancy Abe, Softtek Brasil Healthcare Advisor.