Um dos principais desafios enfrentados pelo setor de saúde no Brasil para evoluir em direção a um sistema aberto, o chamado open health, é a integração e interoperabilidade de dados entre os vários agentes que compõem o ecossistema. Com conceito semelhante ao open banking — sistema de compartilhamento de dados financeiros —, o open health, na avaliação de especialistas, vai trazer benefícios aos cidadãos, pacientes, comunidades, gestores, profissionais e às organizações de saúde.
Embora a Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 (EDS28), elaborada pelo Ministério da Saúde, preveja que a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS) deve promover o trabalho colaborativo e a integração entre todos os setores da saúde, tais como laboratórios, hospitais, serviços de telessaúde, serviços de farmácia e outros, a interoperabilidade, tida como a base para se chegar ao open health, ainda precisa vencer inúmeros obstáculos no Brasil.
“Aqui ainda é preciso trabalhar muito a questão de mostrar o valor da infraestrutura e a importância de se compartilhar os dados”, observa Lincoln de Assis Moura Jr, PhD, especialista em estratégias de saúde digital. Para o especialista, que participou nesta segunda-feira, 20, do Fórum Saúde Digital, promovido por este site, é preciso que se valorize o espaço de colaboração da EDS28, atraindo atores públicos e privados, bem como que projetos nacionais de impacto em saúde promovam a RNDS como plataforma de plataformas de saúde, além de que se estabeleça uma governança para a ESD e para o espaço de colaboração.
Moura Jr cita, porém, alguns exemplos de práticas que podem constituir bloqueio de informações, tais como aquelas que restringem o acesso autorizado, a troca ou o uso sob a legislação estadual ou federal aplicável de tais informações para tratamento e outras finalidades permitidas por lei, incluindo transações entre tecnologias certificadas de informação em saúde; ou a implementação da TI em saúde de maneira não padronizada, que provavelmente aumenta substancialmente a complexidade de acesso, troca ou utilização dos dados de saúde.
Outros pontos apontados por ele dizem respeito à restrição do acesso, a troca ou o uso dos dados de saúde no que diz respeito à exportação de conjuntos completos de informações ou na continuidade da atenção entre sistemas de saúde; ou fraudes, desperdícios ou abusos, ou impedir inovações e avanços no acesso, troca e uso de informações em saúde, incluindo a prestação de cuidados habilitada pela tecnologia.
Na opinião Carlos Pappini, CEO da Conecta Médico, startup de telemedicina, o open health envolve a parte regulatória, que é a questão de organização dos dados e de infraestrutura. “Ou seja, é preciso definir quantas plataformas de interoperabilidade teremos”, diz ele, acrescentando que existe uma terceira questão que é a cultura do negócio.
Pappini conta que a Conecta Médico já adota o compartilhamento de dados entre o médico e o provedor de saúde, e também dos pacientes. “Mas em relação a estes últimos, apenas 1% até agora consentiu que seus dados sejam compartilhados”, observa.
A questão cultural também é apontada pela presidente da ABCIS e CEO da Dr. TIS, Jihan Zoghbi, como um obstáculo para a evolução do open health. Segundo ela, o próprio conceito de saúde ainda não está bem definido para se falar em open health. “Mas o que dificulta realmente é a falta dos sistemas ‘conversarem’”, diz ela, enfatizando que para isso é preciso que os sistemas tenham um barramento para integrar os dados.
Jihan cita como exemplo o padrão HL7 para transferência de dados clínicos e administrativos entre sistemas de informação em saúde, tais como em clínicas, consultórios, hospitais e sistemas de saúde pública, entre outros.
Seguindo essa mesma linha, Camila Diniz, clinical advisor & account manager da InterSystems, salienta que para o open health avançar no país os protocolos precisam ser muito bem definidos e os dados de todos os agentes do ecossistema de saúde têm de estar consolidados.
Segundo ela, tecnologicamente, as plataformas precisam garantir que as informações sejam coletadas e entregues em um repositório para acesso do profissional de saúde. “O profissional de saúde de condições de melhores [de fazer um diagnóstico ou uma prescrição] baseado em dados. Ele não ter acesso ao histórico clínico do paciente é muito crítico, daí a importância de se ter isso”, finaliza.