Em momentos de maior necessidade é que a inovação acontece em sua forma mais ampliada, impulsionada pela urgência em resolver problemas latentes da população. É por esse motivo que, entre 2019 e 2021, existiu o maior volume de investimento em startups da história, acompanhado pelo maior número de novos unicórnios, empresas avaliadas em US$ 1 bilhão. Nessa época, surgiram 720 unicórnios, sendo 32 deles na América Latina, com o Brasil como líder no ranking de novas empresas líderes em captação de investimento no continente.
O período também foi marcado por um momento histórico em todo o mundo, a pandemia de Covid-19, que mudou a economia com novos formatos de trabalho, novos hábitos de consumo e até mesmo mudanças no relacionamento interpessoal. Grandes economias pausaram suas escalas de produção, com interrupções forçadas para conter a transmissão do vírus — os chamados lockdowns. Ao mesmo tempo, gigantes da saúde aceleraram a pesquisa por vacinas e medicamentos, atingindo recordes na criação de soluções.
Startups de saúde, também chamadas de healthtechs, receberam aportes importantes em todo o mundo, devido ao seu crescimento impulsionado pela pandemia e à necessidade de atendimento da população. Empresas de gestão e prontuário eletrônico, inteligência artificial e big data, bem como de telemedicina, foram as que mais receberam dinheiro e escalaram no mercado na saúde. O motivo é simples: os sistemas de saúde se sobrecarregam e precisam de recursos inovadores para atender à crescente demanda da população e diminuir taxas de adoecimento e mortes ao redor do globo.
Em 2021, ano com o maior pico de investimentos, healthtechs brasileiras começaram a receber aportes expressivos, que continuaram em 2022 e 2023, com incentivos milionários em empresas como Conexa, Dr. Consulta, Beep e Alice. O setor também foi marcado por fusões e aquisições importantes em grandes representantes do setor, como Rede D’Or, DASA, Raia Drogasil, Pague Menos e Fleury, que compraram outras empresas, investiram em startups e até criaram hubs de inovação.
Mesmo com a urgência em combater a pandemia, no Brasil, apesar do alto volume captado, apenas uma empresa com soluções em saúde atingiu o valor de mercado de US$ 1 bilhão — o Gympass, que passou a se chamar Wellhub em abril, com foco em saúde corporativa. As outras fortes candidatas a unicórnio no setor resolvem o principal problema de um país de tamanho continental, que é o acesso. Mesmo com o maior sistema público de saúde do mundo, o SUS, o Brasil enfrenta sérios problemas de acesso à saúde, com uma população 77% SUS-dependente. Ou seja, 7 em cada 10 brasileiros dependem exclusivamente do serviço público de saúde.
Para resolver o problema de acesso, empresas como a Conexa, que se tornou a maior companhia de telessaúde da América Latina, e a Dr. Consulta, rede de centros médicos de custo acessível, foram responsáveis por desafogar o Sistema Único de Saúde, já que a maior parcela da população brasileira não utiliza a saúde suplementar. Foi também por isso que a startup Alice, fundada em 2020, criou uma plataforma de cuidado integrado e personalizado, figurando como a primeira gestora de saúde do país. E, em um momento de sobrecarga dos centros de saúde de todo o Brasil, a healthtech Beep Saúde escalou seu modelo de exames e vacinas domiciliares, quando toda a população buscava testes laboratoriais.
Com soluções voltadas a ampliar o acesso à saúde através da tecnologia, as principais healthtechs candidatas a unicórnio no Brasil captaram centenas de milhões de reais. Saindo na frente nessa corrida, estão a startup Alice, que recebeu mais de R$ 730 milhões em 2021, e a Conexa, que recebeu R$ 200 milhões em 2022 e R$ 25 milhões em dezembro de 2023. Em um aporte series C em 2022, de valor não divulgado, a startup Beep Saúde recebeu seu segundo grande montante, depois de consolidar uma rodada de R$ 110 milhões em 2021. A Dr. Consulta, por sua vez, acumula aportes de R$ 125 milhões em sua rodada series D, com um faturamento superior R$ 350 milhões divulgado em 2022. Em 2023, a startup Sami Saúde captou R$ 90 milhões, em uma rodada composta por cinco fundos de investimento e alguns investidores-anjo.
Uma novidade é a healthtech Amigotech, que recebeu um aporte de R$ 160 milhões do fundo Riverwood em janeiro de 2024, entrando na corrida para se tornar o próximo unicórnio de saúde do Brasil. A startup, que junto com a edtech Academy Abroad, levou um grupo de 25 médicos para uma imersão de gestão e inovação em Harvard e MIT em junho, atua na categoria mais investida do setor — gestão e prontuário eletrônico —, voltada para clínicas e consultórios.
Dessa forma, apesar do volume dos aportes mais recentes, as principais candidatas ainda estão algumas centenas de milhões de dólares distantes do valor de 1 bilhão. Mas o que é certo é que elas foram essenciais para aliviar o sistema de saúde no Brasil e garantir o enfrentamento do momento mais desafiador da saúde no país, já que foram responsáveis pelo atendimento de um terço da população.
Mais preparadas e com um melhor entendimento sobre o momento e o direcionamento do mercado da saúde, é de se esperar que o próximo unicórnio do setor surja até 2025, com mais uma ou duas rodadas de investimento pela frente. O surgimento de uma nova candidata é possível, mas, como o mundo das startups é volátil e repleto de surpresas, a busca pelo primeiro bilhão de dólares como valor de mercado segue acelerada.
Rafael Kenji Hamada, médico, CEO da FHE Ventures e da Health Angels Venture Builder.