Radioterapia é eficaz para tratar tumores iniciais de cabeça e pescoço, diz médico

Quando diagnosticados precocemente, os tumores de cabeça e pescoço têm taxas de cura acima de 80% a 85%. Esses casos iniciais podem ser tratados com radioterapia ou cirurgia. A escolha deve levar em consideração as possíveis consequências e eventuais sequelas associadas a cada uma das possíveis opções de tratamento. Como modalidade de tratamento isolada em tumores iniciais, a radioterapia oferece chances de cura equivalentes à cirurgia, segundo o radio-oncologista Diego Chaves Rezende Morais, membro da comissão de título de especialista da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) e titular do departamento da radioterapia da Oncoclínicas Recife e do Hospital Santa Águeda em Caruaru, Pernambuco.

Segundo explica ele, a radioterapia também pode ser indicada como abordagem adjuvante, ou seja, após a cirurgia, cenário em que reduz o risco de recidiva de tumores mais avançados, que representam a maioria dos casos ao diagnóstico. Além disso, a radioterapia pode ser associada à quimioterapia em tumores inoperáveis ou nos casos em que a preservação do órgão afetado seja uma prioridade. Em linhas gerais, o tratamento é individualizado, requerendo discussão multidisciplinar na condução do tratamento e levando em consideração o estadiamento da doença, as especificidades e localização do tumor e as condições de saúde do paciente.

Destaque deve ser dado à radioterapia de intensidade modulada (IMRT), uma tecnologia, incluída no ROL de procedimentos com cobertura obrigatória da Agência Nacional de Saúde (ANS) para tumores na região de cabeça e pescoço, a qual permite entregar uma dose de radiação melhor concentrada apenas nas áreas a serem tratadas, poupando de forma mais significativa os tecidos saudáveis. “É feita uma modulação do feixe de radiação de modo a permitir que doses altas sejam entregues com ainda mais segurança à região desejada, maximizando a proteção dos tecidos adjacentes e minimizando as consequências agudas e tardias relacionadas ao tratamento”, explica o médico.

Na saúde pública, a forma de remuneração atual dos procedimentos não estimula a incorporação de tecnologias mais avançadas, como a IMRT, devido ao pagamento de um mesmo valor, independente da técnica de tratamento utilizada. Na saúde suplementar, a cobertura para IMRT em cabeça e pescoço, tem uma remuneração geralmente diferenciada quando comparada a outras técnicas.

Outro desafio importante é garantir o acesso ao tratamento em tempo hábil, principalmente no que diz respeito à radioterapia. A radioterapia é uma modalidade essencial no tratamento desse tipo de câncer, porém a falta de serviços e a má distribuição dos centros de radioterapia dificultam o acesso dos pacientes, especialmente na saúde pública. A concentração de serviços de radioterapia nas regiões sul e sudeste do país é uma realidade preocupante, deixando muitas regiões carentes desse recurso vital. A distância entre as cidades e a necessidade de tratamentos diários por várias semanas tornam difícil para os pacientes se submeterem ao tratamento. Além disso, a falta de serviços de radioterapia em algumas regiões resulta em longas viagens e dificuldades adicionais para os pacientes iniciarem e concluírem o tratamento em tempo adequado.

Atenção aos possíveis efeitos colaterais

O radio-oncologista Diego Chaves Rezende Morais explica que, apesar dos importantes avanços tecnológicos ocorridos nessa área, alguns efeitos colaterais permanecem associados à radioterapia para tumores de cabeça e pescoço. São sintomas como dor ao engolir (odinofagia), perda do paladar (ageusia) e o surgimento de aftas e feridas na cavidade oral (mucosite).

O especialista explica que esses efeitos podem ser ainda mais intensos se a radioterapia é combinada com a quimioterapia.
“Ao mesmo tempo, é encorajador e estimulante que o uso da IMRT seja uma opção eficaz para minimizar a gravidade e a incidência dos efeitos adversos relacionados à radioterapia, em especial da xerostomia, a sensação de boca seca, um efeito colateral tardio associado ao tratamento”, diz. O médico acrescenta que é importante os pacientes saberem que a radioterapia é um tratamento rápido — de 10 a 15 minutos —, indolor e que dispensa jejum para sua realização. Nos casos de tumores de cabeça e pescoço, porém, é exigido que o paciente use uma máscara para imobilizar a região a ser tratada e garantir a reprodutibilidade do tratamento, que é feito diariamente.

Cuidado multidisciplinar e multiprofissional

A participação de vários especialistas no cuidado ao paciente é essencial, bem como na tomada de decisões. “Seja qual for a estratégia de tratamento escolhida, ela precisa ser avaliada e discutida de modo multidisciplinar, com o envolvimento de cirurgiões, oncologistas clínicos e radio-oncologistas”, diz Morais. Ele ressalta, também, a importância da equipe multiprofissional composta por profissionais de odontologia, fisioterapia, nutrição, fonoaudiologia, enfermagem e psicologia, no preparo e transcurso do tratamento bem como no seguimento e reabilitação do paciente submetido à radioterapia.

“A equipe multiprofissional é imprescindível na condução desses pacientes e dispor de um time especializado no manejo de tumores de cabeça e pescoço, além de um privilégio, faz toda a diferença no tratamento do paciente. A odontologia, em especial, desempenha um papel crucial na preparação do paciente, durante a radioterapia e no pós-tratamento, utilizando técnicas como a laserterapia para minimizar a mucosite relacionada ao tratamento. Nutrição, fonoaudiologia, fisioterapia, enfermagem e psicologia também trazem contribuições inegáveis e tornam o manejo dos tumores de cabeça e pescoço desafiador, mas extremamente estimulante para todos os profissionais envolvidos”, diz.

Outros membros da equipe, como os enfermeiros, cuidam dos aspectos relacionados à pele, e a fisioterapia pode atuar em casos de edema na região do pescoço, por exemplo. A fonoaudiologia cuida da reabilitação da fala e da deglutição, enquanto a nutrição colabora no cuidado com a alimentação. Essa abordagem multiprofissional se estende não apenas ao tratamento com radioterapia, mas também a pacientes que passaram por cirurgia, enfrentando sequelas que podem alterar funções como a fala e a deglutição. Como o tratamento pode afetar funções essenciais para o dia a dia do paciente, a reabilitação pós-tratamento é imprescindível. “A oncologia moderna evoluiu e, hoje, não se limita apenas à cura, mas também se preocupa em reabilitar o paciente proporcionando o mínimo de impacto na sua qualidade de vida futura”, reforça o radio-oncologista.

Diagnóstico em pacientes mais jovens

Julho é o mês escolhido para as campanhas de conscientização sobre o câncer de cabeça e pescoço, uma denominação que engloba os tumores que ocorrem nos lábios, cavidade oral, laringe, tireoide e toda a faringe. “As estatísticas apontam que os tumores de cabeça e pescoço representam cerca de 3% de todos os diagnósticos de câncer no Brasil, resultando em aproximadamente 10 mil mortes anuais, de acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Em homens, os tumores de cabeça e pescoço mais comuns são os de cavidade oral e laringe. Em cada ano do triênio 2023-2025, a estimativa é que mais de 17 mil pessoas do sexo masculino vão desenvolver um desses tumores — 10.900 de boca e 6.570 de laringe. Entre as mulheres, o câncer de cabeça e pescoço mais comum é o de tireoide, com 14.160 novos casos anuais.

Nas últimas duas décadas, de acordo com Morais, observa-se uma mudança progressiva, no perfil epidemiológico desses tumores, em especial dos tumores de orofaringe (garganta). Tradicionalmente, o câncer de cabeça e pescoço sempre foi mais frequente em homens com mais de 60 anos, adeptos do tabagismo e consumidores frequentes de álcool ao longo da vida. “Nas últimas décadas tem havido um aumento da incidência dessa doença entre pacientes mais jovens secundária à infecção pelo HPV, tanto homens como mulheres. Surpreendentemente, muitos desses pacientes jovens nunca fumaram nem consumiram bebidas alcóolicas ao longo da vida, ou tiveram apenas uma história prévia de etilismo social”, ressalta o radio-oncologista.

Essa mudança do perfil epidemiológico da doença implica, necessariamente, em uma adequação das estratégias de prevenção. Além do combate ao tabagismo e ao etilismo e o estímulo a boa higiene oral, que são fatores de risco bastante conhecidos para esses tumores, as campanhas de vacinação contra o HPV (Human Papilomavírus) ganharam mais relevância no Brasil e no mundo. A infecção pelo vírus HPV é um fator de risco bem estabelecido na literatura para tumores de orofaringe (como amígdala e base da língua). Trata-se de um vírus que circula na comunidade e a transmissão não depende apenas de práticas sexuais que incluam penetração. A exemplo do que ocorre em muitos países, no Brasil os especialistas têm notado um aumento no número de pacientes com tumores relacionados ao HPV nos últimos anos. “A recomendação é vacinar todas as crianças a partir dos nove anos de idade preferencialmente”, orienta Morais.

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