A burocracia não deixa que a saúde no Brasil saia da UTI

As cifras que envolvem a saúde no Brasil são astronômicas e não poderia ser diferente, afinal, somos mais de 210 milhões de brasileiros vivendo em um país de dimensões continentais. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que usou como referência a contabilidade internacional da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2019, o Brasil gastou R$ 710 bilhões nessa área, sendo 41% no sistema público e 59% no privado. A saúde é a terceira área de atuação do governo com mais despesas: 9,48% do total, depois de Previdência Social (44,31%) e Assistência Social (25,83%).

A despeito do montante, o cotidiano do atendimento é altamente desafiador e a percepção é de falta de recursos para atender satisfatoriamente todas as necessidades dos milhões de habitantes do país. Algo precisa ser feito porque sabemos que o governo não vai aumentar esse percentual de 9,48% para 20%, por exemplo. E de onde pode vir mais dinheiro para uma assistência menos deficitária à população? Vamos começar analisando para onde vão os recursos atuais. O Portal da Transparência nos mostra que 36,28% são destinados a Assistência hospitalar e ambulatorial; 31,25% para administração geral; 17,16% para atenção básica; e 7,55% para suporte profilático e terapêutico. Ou seja, a segunda maior destinação — R$ 47 bilhões — são gastos com controles, gerenciamento e administração. Este é o meu ponto de análise: o “custo da falta de confiança” ou “custo da ineficiência”.

O Brasil — governo e sociedade — é culturalmente viciado em burocracia. Gastamos cada vez mais em regras e controlamos cada vez menos. Por vezes, quando vemos as distorções, desvios ou corrupção, a tendência natural é investir em mais estruturas de controle, fiscalização, mapeamento, contratos. Mas isso custa. Hipoteticamente, se tivéssemos um ambiente de extrema confiança, onde a integridade é a pauta, poderíamos reduzir parte do um terço gasto em administração geral e aplicar mais em leitos de hospitais, aparelhos, remédios, salários dos profissionais de saúde. Consequentemente, toda a cadeia seria mais bem remunerada.

Imaginemos 10% a mais de investimento em saúde. São R$ 71 bilhões. Dinheiro suficiente para a construção de dez hospitais com 130 leitos cada; ou 88 mil mamógrafos de última geração; ou ainda 11,8 milhões de marcapassos.

Parece razoável que sigamos investindo somente em estruturas de comando e controle como solução para as distorções e corrupção na saúde? O Instituto Ética Saúde — que congrega a indústria de produtos médico-hospitalares, os hospitais, laboratórios, entidades médicas e planos de saúde, com o apoio de órgão reguladores do governo — vem liderando esforços na promoção de um ambiente de negócios mais íntegro. Entendemos que a coordenação horizontal em torno de padrões de atuação que aumentem a confiança entre os agentes dos diversos elos da cadeia da saúde, pode ser um fator crítico para o ganho de eficiência e, em última instância, melhoria nos serviços prestados à população.

Atualmente, infelizmente,  o mercado atua no ‘jogo soma-zero”, ou seja, para um agente ganhar mais outro tem que perder. Cada um defende seus interesses. Como disse o filósofo inglês Thomas Hobbes: “O homem é o lobo do homem, guerra de todos contra todos”. A saúde do Brasil precisa da estratégia do “ganha-ganha”, de colaboração horizontal em que a nossa maior oportunidade é focar na redução das ineficiências e gerar resultados melhores para todos. A coordenação horizontal — com discussão de leis e normas ou seu cumprimento, que gera denúncias, culpados e vítimas — é necessária em uma sociedade, mas não somente.

Se cada player da saúde se envolver para valer na busca pela integridade e juntos conseguirmos reduzir, ao invés de 1/3, mas em 1/6 os gastos com burocracia, já daremos para o governo a oportunidade de construir cinco hospitais de médio porte. Vale ou não a pena?

*Eduardo Winston Silva é economista e presidente do Conselho de Administração do Instituto Ética Saúde.

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