Sempre foi uma prerrogativa do médico a indicação do procedimento que julgar mais adequado para o tratamento da doença de seu paciente, não podendo a operadora de saúde intervir na conduta clínica. No entanto, essa prerrogativa vem sendo cada vez mais contestada pelos planos de saúde, que encontraram na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) o apoio que lhes faltava para poder agir dessa forma.
Melhor esclarecendo, a ANS, por meio da Resolução Normativa nº. 424/2017, permitiu que operadoras de planos de saúde pudessem discordar da indicação terapêutica do médico assistente. Para fazer isso, assim que recebem o pedido médico, as operadoras devem nomear um outro médico para, em nome delas, relatar, justificadamente, sua discordância em relação ao procedimento ou materiais solicitados pelo médico do paciente.
A operadora, então, notifica o médico do paciente e também o próprio paciente para informar o motivo da divergência médica e, nessa mesma notificação, ela deve indicar outros quatro médicos para o caso de o médico do paciente não concordar com a opinião do médico da operadora.
Nessa hipótese, o médico do paciente deverá escolher um entre os quatro médicos indicados pela operadora e esse médico escolhido será designado para compor a junta médica na condição de médico desempatador.
Nos termos regulamentados pela ANS, o que restar decidido pelo médico desempatador deverá ser aceito pelo médico do paciente ou, caso ele não aceite, deverá a operadora disponibilizar para o paciente outro médico que faça o tratamento de acordo com a decisão do médico desempatador. É aqui que começam os problemas.
Erro médico: quem responde pelos danos?
Essa interferência da operadora de saúde na indicação clínica não é tolerada pela maioria dos médicos, pois é o médico do paciente quem irá executar o serviço e também será ele quem responderá pelos possíveis danos daí decorrentes, mesmo que ele prove que somente realizou o procedimento sem os itens que julgava necessários em razão da recusa do plano de saúde.
É por essa razão que a maioria dos médicos de pacientes recusa a participar dessa junta médica e orienta o paciente a procurar outro médico ou a buscar seus direitos por meio de uma ação judicial.
Como já mencionado, no caso de divergência médica, a operadora de saúde indica uma lista com outros quatro médicos e o médico do paciente tem a opção de escolher a partir dessa lista quem será o desempatador. Se não fizer a escolha em dois dias úteis, a operadora de saúde estará legitimada a ela mesma escolher o médico desempatador.
O problema é que, além de indicar a lista de médicos para a avaliação de desempate, a operadora de saúde é também quem paga pelos serviços do médico desempatador escolhido, até porque não se poderia atribuir ao paciente a responsabilidade pelo pagamento desse (des)serviço.
Considerando isso, não é preciso desenvolver longo raciocínio para concluir que o médico desempatador que decidir de forma contrária aos interesses da operadora de saúde será excluído da lista de médicos que essa operadora indicará em outros casos de divergência.
Desde o início da vigência da resolução, já houve tempo suficiente para a operadora de saúde aprimorar a lista de médicos desempatadores para que estes sejam favoráveis ao entendimento que melhor se adequa ao interesse dos planos de saúde. E mesmo que o médico desempatador dê sua opinião da forma mais isenta possível, haverá sempre a suspeita de ter havido parcialidade quando essa decisão for favorável aos interesses de quem está pagando pelo serviço.
O que fazer em caso de divergência médica?
O paciente pode recorrer ao Poder Judiciário por meio de uma ação judicial para requerer a imediata autorização do procedimento e dos materiais de acordo com o pedido de seu médico de confiança.
Os juízes têm sido firmes no sentido de coibir essa interferência no trabalho do médico assistente e, comprovado que se trata de um tratamento médico que não pode esperar todo o trâmite processual, sob risco de o paciente falecer ou sofrer algum dano irreparável ou de difícil reparação a sua saúde, ainda é possível requerer a liminar para que o tratamento seja disponibilizado imediatamente e de acordo com a prescrição do médico do paciente.
O tempo entre o ajuizamento da ação e a decisão a respeito do pedido de liminar costuma variar entre apenas um a três dias úteis e, deferida a liminar, o paciente já poderá ser submetido ao tratamento médico proposto.
*Rodrigo Araújo é advogado especialista em saúde e sócio-diretor do escritório Araujo&Jonhsson Advogados Associados.