A Unicamp, em conjunto com a divisão de life science do laboratório farmacêutico Merck, desenvolveram uma abordagem inovadora para o estágio de drug screening (triagem de drogas, em tradução livre) na descoberta de novas moléculas, capaz de reduzir o tempo inicial de pesquisa de fármacos. Trata-se de uma plataforma baseada na varredura de fragmentos químicos utilizando-se cromatografia acoplada a espectrometria de massas.
O tempo para se desenvolver um novo medicamento, ou seja, desde a etapa de descoberta de novas moléculas até o registro para comercialização leva, em média, de dez a 15 anos. Estima-se que a cada 10 mil moléculas testadas, apenas uma se torna um medicamento. Por esta razão, todas as técnicas que acelerem, sobretudo a etapa de busca de novas moléculas, são bem-vindas para a pesquisa e desenvolvimento.
O método permite identificar fragmentos químicos com maior especificidade de ligação com proteínas-alvo de doenças humanas — etapa essencial para identificação de moléculas que podem tornar-se medicamentos. A plataforma ficará disponível para grupos do Brasil que queiram seguir com colaborações ou serviços.
A descoberta de fármacos baseada em fragmentos já é utilizada no Brasil, entretanto, a associação de cromatografia líquida com espectrometria de massa ainda é inédita. A metodologia consiste em preparar “capilares” (colunas) contendo, em seu interior, as proteínas que estão sendo estudadas. Então, os pesquisadores aplicam nesses capilares as moléculas com potencial de interação com a proteína. Ao final, por meio de um espectrômetro de massas, é possível fazer uma leitura que aponta quais moléculas tiveram sucesso na ligação com a proteína.
Até o momento, existem seis medicamentos aprovados no mundo que foram identificados utilizando a estratégia baseada em fragmentos (fragment-based drug discovery). Dentre esses medicamentos, o sotorasibe — um anticancerígeno usado para tratar o câncer de pulmão — é um exemplo notável, pois o tempo entre a descoberta do fragmento e a testagem da molécula proposta em ensaios clínicos levou cinco anos, com apenas mais três anos para sua estreia no mercado.
Grande parte das plataformas de busca e estudo de novas moléculas para medicamento são baseadas no desenvolvimento de ensaios químicos e biológicos com testagem unitária. Isto significa que cada uma das moléculas é avaliada individualmente para a enfermidade alvo. Embora eficiente, esta metodologia pode levar anos até que se descubra se a molécula é efetiva antes de seguir para os ensaios pré-clínicos.
“Com a plataforma baseada na varredura de fragmentos químicos desenvolvida em parceria com a Merck conseguimos testar muitas moléculas de uma vez e, assim, encontramos rapidamente as características de moléculas que se ligam a qualquer proteína humana que seja importante numa doença. Em seguida, ‘construímos e aumentamos o tamanho de encaixe’ das moléculas no laboratório, para que se liguem na proteína humana, como se fossem peças de lego”, explica Katlin Massirer, coordenadora do Centro de Química Medicinal (CQMED) da Unicamp e líder do projeto pelo lado da universidade.
Nesse momento, os pesquisadores investigam proteínas relacionadas a doenças renais e distúrbios neurológicos e futuramente a técnica poderá atender o estudo de qualquer enfermidade. “A nova metodologia acopla cromatografia de afinidade fraca e espectrometria de massas, o que permite testar 1.500 moléculas em quatro dias. Nas plataformas atuais, essas mesmas 1.500 moléculas seriam testadas com maior quantidade de insumos e possivelmente mais tempo”, explica Bruno Amaral, pesquisador visitante do CQMED. “Nesta parceria com a divisão de life science da Merck, vamos aperfeiçoar conjuntamente os materiais e insumos utilizados, como, por exemplo, as colunas de cromatografia e os reagentes usados para selecionar as moléculas”, completa Amaral.
“Já temos um longo histórico global de pesquisa, desenvolvimento e inovação. No Brasil, participamos de inúmeros projetos tecnológicos em conjunto com universidades e de iniciativas de fomento à pesquisa, sempre na perspectiva de resolver juntos os problemas mais complexos da ciência. Se o projeto for exitoso, iremos desenvolver um serviço especializado em drug discovery, para todo segmento farmacêutico na América Latina, ofertado pelo nosso laboratório M-Lab em parceria com a CQMED e, assim, contribuir para acelerar a inovação em saúde em nossa região”, explica Misael Silva, líder de Inovação para América Latina da divisão de Life Science da Merck Brasil.
A parceria está sendo financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) no âmbito da chamada RHAE Pesquisador na Empresa.