Os recursos contingenciados por hospitais e planos de saúde têm onerado de fornecedores de produtos para saúde em R$ 1,45 bilhão e podem ter efeitos negativos para os pacientes-consumidores, principalmente em relação à queda da qualidade na prestação de serviços e dos produtos ofertados. O alerta foi feito por Sérgio Rocha, presidente da ABRAIDI (Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde) durante a realização do Fórum ABRAIDI 2022, na terça-feira, 26, e que reuniu especialistas para debater o problema e buscar soluções.
Segundo a entidade, os valores retidos representam 18% do faturamento das empresas e também colocam em risco a sustentabilidade do sistema. Segundo Rocha, as distorções registradas vêm sendo denunciadas há cinco anos para órgãos de controle, agências reguladoras, poderes executivo e legislativo e associações de classe. Ele alega que a situação está insustentável e hospitais e planos de saúde, que realizam as tais práticas, não se mobilizam para modificar a situação.
“Eles apenas afirmam que são casos pontuais e restritos a negociações comerciais específicas. Não há nada de pontualidade! É prática da grande maioria e a pesquisa revela isso com toda a clareza. As associadas, normalmente pequenas e médias empresas, que decidem não aceitar as imposições sofrem com retaliações, num mercado cada vez mais enxuto, com tantas fusões e aquisições como temos visto, e concentração de poder”, contextualizou Rocha.
Durante o fórum, a ABRAIDI lançou a quinta edição do estudo “O Ciclo de Fornecimento de Produtos para Saúde no Brasil”. O estudo apontou as retenções de faturamento como o problema inicial, quando a fonte pagadora —plano de saúde ou hospital —, após a realização de uma cirurgia previamente autorizada, não permite o faturamento dos produtos consumidos, postergando assim o pagamento.
O valor contingenciado registrado foi de R$ 723.181.441,00, sendo R$ 347,6 milhões por hospitais privados, R$ 339 milhões por planos de saúde e R$ 36,6 milhões por hospitais públicos. “Apenas como comparação, o valor retido por hospitais cresceu 205% desde a primeira pesquisa”, lembrou o diretor executivo da ABRAIDI, Bruno Bezerra. O prazo médio entre a realização da cirurgia e a emissão da nota fiscal foi de 124 dias, segundo dados apurados no levantamento.
Negação de pagamentos injustificadas
Outra questão apontada pela pesquisa são as glosas injustificadas, ou seja, quando a operadora de saúde ou hospital se nega a pagar alguns produtos, materiais ou equipamentos utilizados em cirurgia previamente autorizada por eles mesmos. 79% dos associados sofreram glosas com essas características, totalizando um valor igualmente retido de R$ 116.680.000,00. E, por fim, a inadimplência que chegou ao patamar de R$ 610.736.608,00.
As empresas não são responsáveis somente pela venda de um produto, como ocorre em qualquer segmento. Elas precisam, antes da cirurgia, ter toda a questão burocrática resolvida, como os registros sanitários, a importação e armazenagem adequada dos produtos em ambientes estéreis. O mesmo rigor segue no transporte e entrega, após a comercialização.
Segundo a pesquisa, o valor total imobilizado em estoque de produtos para a venda é da ordem de R$ 13,1 bilhões, em torno de 1,61 vez o faturamento anual das empresas. Deste montante, 70% são inerentes à atividade e precisam estar prontos para a venda e 30% são deixados à disposição em consignação no hospital, modelo que representa custos ao fornecedor.
“Durante uma cirurgia, cabe ao distribuidor do produto para a saúde, no mundo inteiro, apenas entregar os itens que serão utilizados. Porém, no Brasil, existe uma situação atípica em que ao distribuidor precisa ainda disponibilizar instrumentais especiais e equipamentos de apoio, como conjunto de motores [serras e perfuradores] para ortopedia ou torres de videocirurgia, apenas para citar dois exemplos”, explicou Rocha.
No pós-cirúrgico, em 35% dos casos, segundo a pesquisa da ABRAIDI no estado de São Paulo, o fornecedor ainda precisa realizar a limpeza, desinfecção e esterilização dos materiais cirúrgicos, instrumentais e equipamentos. A atribuição que é dos serviços de saúde não é feita, colocando em risco sanitário os profissionais das empresas fornecedoras.
Maior atuação do Cade, ANS e CVM
Para o presidente da ABRAIDI, a saúde brasileira, e consequentemente o mercado de dispositivos médicos, já vinha em condições de deterioração antes da pandemia. “Na saúde suplementar se observa uma consolidação sem precedentes, a partir de fusões e aquisições, movidas pelo investimento financeiro de fundos e outros agentes que buscam retorno a qualquer custo. Nesse cenário, os órgãos reguladores, especialmente o Cade e a ANS, precisam redobrar a atenção e a atuação sobre os potenciais efeitos negativos para os pacientes-consumidores, principalmente em relação à queda da qualidade na prestação de serviços e dos produtos ofertados. Há necessidade de uma regulação mais firme, inclusive por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para as companhias com ações na bolsa”, defendeu Rocha.