A Lei nº 9.656/98, marco regulatório dos planos de saúde no Brasil, estabeleceu salvaguardas importantes para os beneficiários, especialmente no que tange aos planos individuais. Contudo, a norma não se estendeu aos planos coletivos por adesão, abrindo espaço para um cenário preocupante no setor.
Visando driblar a regulação, as operadoras de saúde passaram a descontinuar a venda de planos individuais, impulsionando a adesão aos planos coletivos. Estes, por sua vez, se transformaram em verdadeiros aglomerados de “afogados abraçados”, cuja única opção de acesso à saúde suplementar reside em um produto desprovido da proteção legal originalmente concebida.
A ilusão da proteção social se esvai quando o beneficiário se depara com a possibilidade de rescisão unilateral do contrato por parte da operadora, mediante simples aviso prévio de 60 dias. Uma realidade que contrasta com a segurança jurídica almejada por quem busca um plano de saúde.
É importante ressaltar que apenas 20% dos beneficiários de planos de saúde no Brasil estão enquadrados na Lei nº 9.656/98. Ou seja, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criada para regular o setor, atua efetivamente sobre os contratos de apenas 10 milhões de pessoas, enquanto os demais 40 milhões seguem à mercê das decisões das operadoras.
A situação é ainda mais surreal quando se constata que as operadoras obrigam os beneficiários a utilizar um recurso criado por elas próprias, que permite a rescisão unilateral do contrato. Uma prática inadmissível em qualquer mercado, especialmente em um setor tão sensível como o da saúde.
Em suma, a falta de regulação dos planos coletivos por adesão cria um ambiente de insegurança jurídica para os beneficiários, que se veem desprotegidos diante das decisões unilaterais das operadoras.
É urgente a necessidade de uma revisão da legislação, a fim de garantir a proteção dos consumidores e a equidade no mercado de saúde suplementar. A natureza das relações contratuais e dos compromissos morais de um plano de saúde com seus clientes não é nem podem ser tão simplistas quanto as relações, por exemplo, de um praticante de uma academia de ginástica ou de sócio de um clube de futebol. O Estado e a sociedade civil não podem continuar permitindo tamanho escárnio com os cidadãos.
Wagner Siqueira, presidente do CRA-RJ.