Sempre que falamos em custos da saúde, é importante lembrar: o que controlamos no orçamento das empresas são os gastos diretos e recorrentes com planos de saúde, ambulatórios, medicina do trabalho, entre outros. Mas sabemos que os custos indiretos de uma má gestão podem significar duas ou três vezes essas despesas. Aqui estou falando de performance, produtividade, engajamento, motivação, enfim, efeitos que passam muitas vezes despercebidos pelo gerenciamento da saúde.
Saúde é um tema estratégico para qualquer companhia, independentemente do porte ou do setor de atuação. Entender as despesas nessa área como investimentos pode começar a transformar nossa visão sobre a saúde corporativa. Precisamos no entanto, ser mais seletivos com nossos investimentos.
Estamos vivendo um momento de desaceleração econômica provocada pela pandemia, mas ao mesmo tempo constatamos que o setor de saúde está se reinventando. Nos últimos cinco meses, evoluímos cinco anos na cultura de adoção tecnológica. Novos modelos estão surgindo, novas formas de lidar com a gestão de saúde populacional estão se consolidando.
Uma nova saúde corporativa está surgindo, focada na coordenação de cuidados e em modelos abertos, ecossistemas conectados e integrados com as pessoas no centro da estratégia. Não dá mais para pensar em saúde ocupacional isolada do plano disponibilizado por uma operadora ou do programa de benefícios em medicamento (PBM).
Nos últimos 12 meses até junho de 2020, os PBMs geraram uma economia estimada de R$ 671 milhões para as nossas empresas clientes. A cobertura medicamentosa contratada pelas áreas de RH dessas organizações atende em torno de 8,3 milhões de beneficiários. Os números reforçam a relevância da assistência farmacêutica para a gestão de saúde populacional, modelo que tende a ganhar força no pós-pandemia e é beneficiado também por novas tecnologias como a telemedicina.
O medicamento é parte importante da cura e do controle de riscos. Os programas de assistência farmacêutica transformaram-se em um importante instrumento de gestão, seja na ampliação do acesso pelo subsídio na compra de medicamentos, seja no compartilhamento de informações em tempo real com as equipes médicas de atenção primária de empresas e operadoras de planos de saúde. Essas ações possibilitam uma intervenção inteligente e no tempo certo.
O foco não é mais na doença. É no indivíduo, nas suas escolhas, hábitos, estilo de vida. A educação, os incentivos corretos e uma rede conectada de apoio multidisciplinar parecem ser as chaves para uma nova saúde corporativa – um dos setores que mais podem se beneficiar do uso de todas as novas tecnologias. No entanto, ainda convivemos com um modelo defasado, fragmentado e ineficiente.
Equilibrar essa equação é um desafio que não está resolvido em nenhum lugar do mundo. No Brasil, apenas ¼ da população possui planos de saúde e pelo menos 50 milhões de pessoas retiram do próprio bolso recursos para diagnóstico, tratamentos ou controle de doenças. Os demais dependem exclusivamente do SUS. Mais da metade das pequenas e médias empresas não concede planos de saúde para seus empregados e as que dão convivem com incentivos distorcidos, ineficientes e que desperdiçam mais de 30% dos recursos em abusos e fraudes.
Assistências, benefícios, clínicas populares, programas de descontos, cartões pré-pagos estão à margem dos planos de saúde, mas retirando de alguma maneira pessoas que estavam na fila do SUS. O tamanho do mercado aumentará com a simplificação do negócio e por conta do redesenho das relações com os consumidores e prestadores de serviços.
No contexto atual, esbarramos em diversos ofensores: a assistência baseada na doença, livre demanda, o fluxo de beneficiários disperso e desorientado, incentivos desalinhados entre paciente, médico, prestadores e operadora, critérios de qualidade divergentes, baixo engajamento de hospitais e médicos na coordenação de cuidados, custo dos planos elevado, crescendo pelo menos duas vezes mais do que a inflação, prejuízo operacional, judicialização, insatisfação dos usuários e médicos, despreparo para se adaptar ao envelhecimento populacional, uso indiscriminado de novas tecnologias (desequilíbrio custo/benefício) e o baixo compartilhamento de informações.
Corrigir um sistema vigente há décadas com centenas de milhares de relações mal desenhadas, sem diálogo e operacionalmente desgastada, pode ser instransponível. O compartilhamento de informações, tão necessária para gestão de saúde populacional, é atrofiado por esse contexto.
A construção de novos arranjos protegidos pelo equilíbrio entre todos os participantes da cadeia (indústrias, prestadores de serviços, intermediários, operadoras e pagadores) com incentivos alinhados em todo processo para que o paciente esteja seguro, pode ser o único caminho para sanear as instituições de saúde. Se o sistema já está colapsado, a tentativa de corrigir os arranjos atuais poderá ser fatal, em vez de utilizar o pouco tempo que resta para criar uma saída.
A adoção de novas tecnologias em saúde requer mecanismos mais inteligentes que garanta a incorporação sem seu uso indiscriminado, ou seja, sem equilíbrio custo/benefício. As operadoras, nos últimos 30 ou 40 anos, tornaram-se uma espécie de editora. Se vendia livro grosso de rede. O objetivo foi transmitir segurança ofertando centenas de médicos da mesma especialidade em uma única cidade. Quantidade não significa suficiência. Dificuldades de agenda causada pela baixa remuneração e a limitação em reconhecer áreas de atuação e competências técnicas adequadas deixam os usuários mais inseguros do que se encontrasse um único profissional, que o acolhesse e apresentasse uma, duas ou três opções que atenderiam com segurança sua necessidade.
Uma saúde corporativa inteligente acolhe todos, inclusive saudáveis, e proativamente orientam seus beneficiários sobre suas necessidades, conectando ponto a ponto, pessoas com a melhor competência técnica para cada perfil de risco. Novos processos e tecnologia permitirão acolher todos os seus empregados e até familiares constantemente, por WhatsApp, chat, vídeo, app, consulta presencial ou mesmo visita em casa. O objetivo é criar vínculo e confiança, além de manter um canal de relacionamento permanente e disponível 24 horas por dia, na palma da mão do usuário.
Outra função importante será a de educar sobre os processos relacionados com a saúde corporativa, alinhando expectativas e protocolos a serem respeitados por ambos os lados para que a experiência seja exitosa. Nesta etapa, se estratifica o risco da população e se estabelece o modelo de servir para cada grupo de risco clusterizado e se cria um plano individual de cuidados.
O mercado corporativo tem poder de transformar a cadeia da saúde, pois é quem paga a conta do desperdício e da ineficiência. Empresas contratantes de serviços de saúde e colaboradores farão uma seleção natural de modelos mais eficientes que racionalizem recursos e elevem o bem-estar da equipe. Economia com produtividade. Quem não ambiciona essa combinação?
Leopoldo Veras Rocha, gestor de novos negócios da ePharma.