Na semana passada, assisti o documentário de Rory Kennedy, Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing. O documentário retrata os fatos que antecederam a queda de dois aviões 737 Max em um pequeno intervalo de tempo. Através de documentos da própria companhia e de depoimentos de ex-funcionários, vemos como após a aquisição da McDonnell Douglas, a Boeing absorve um conselho de administração mais preocupado com o dinheiro do que com a cultura de segurança ou com o treinamento dos pilotos, antes do lançamento de uma nova aeronave. Tudo para satisfazer os acionistas que estavam felizes porque sempre havia lucros e dividendos sendo distribuídos.
Toda empresa deve buscar ser lucrativa, mas sem comprometer a qualidade e a segurança, principalmente se ela é uma fabricante de aviões. A Boeing deixou de ser uma companhia de engenharia, demitindo seus principais engenheiros e negligenciando seus processos de segurança, para ser somente uma empresa que buscava a valorização das suas ações. Tragédia anunciada.
Grandes conglomerados comandam hoje o mercado de saúde no Brasil, e assim como a Boeing, possuem ações na Bolsa de Valores, portanto tem como objetivo, entregar sempre um melhor resultado nos seus balanços. Assim como na aviação, o mercado de saúde lida com vidas e tem na segurança o seu principal pilar. Grandes operadoras de planos de saúde e redes de hospitais vêm fazendo fusões e aquisições trazendo uma concentração perigosa, que diminui a cada dia mais o número de players. Poucos compradores para muitos vendedores.
Participo desse setor como distribuidor de produtos para a saúde há mais de 20 anos. Há muito tempo sinto uma pressão grande pela redução constante dos preços, mesmo com a alta do dólar, todos os produtos da minha carteira são importados, e o aumento do custo dos insumos que fazem parte do negócio, como combustível, energia e fretes. O DNA da minha empresa não é vender produtos cirúrgicos, é entregar serviços que contribuem para o sucesso da cirurgia. O nosso trabalho, junto com o do médico e do hospital formam o tripé para a entrega de um bom resultado do ato cirúrgico. Apesar das pressões, me recuso a diminuir o nível de qualidade do serviço que entrego. Não vou dispor dos meus melhores funcionários a fim de diminuir custo, não vou mudar fornecedores que entregam produtos de qualidade para me adaptar a esta nova realidade. Não vou negligenciar processos. Não sou a Boeing!
Apesar das diferenças de tamanho e força dos players que compõem o mercado de saúde, precisamos ter um equilíbrio econômico para que os pequenos que estão na ponta cumprindo um papel importante, não sofram com a diminuição das suas margens, com o represamento de faturamento que compromete o fluxo de caixa e não sejam forçados a diminuir a qualidade do seu serviço a fim de continuar “voando”.
Cada cirurgia que está acontecendo neste momento, é um “avião no ar”, com seu “plano de voo”, com “sua tripulação” e com a responsabilidade sobre uma vida. Não sejamos a Boeing!
*Ronaldo Sampaio é vice-presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde – ABRAIDI.