O Projeto de Lei 7419/06, ou PL dos planos de saúde, ganhou celeridade no último ano na Câmara dos Deputados, após 14 anos de tramitação no Legislativo, e pode ser que essa jornada esteja terminando. A ideia do relator do projeto, deputado federal Duarte Júnior, é que o PL seja pautado ainda no segundo semestre deste ano.
Enquanto aguardamos a continuidade dessa pauta, o fato é que o PL, hoje com mais de 290 projetos de lei incorporados desde 2006, traz ainda mais regulação para as operadoras de planos de saúde. Por um lado, o aumento da regulamentação pode ser um ponto positivo para evitar abusos econômicos sobre os beneficiários e organizações. Por outro, seu excesso pode afastar possíveis investimentos no setor.
Em minha análise, dois pontos são importantes de se destacar nesse PL. O primeiro é a alteração no formato de reajuste dos planos coletivos.
Pelo novo texto, os reajustes dos contratos coletivos com menos de cem beneficiários serão calculados com base no agrupamento de todos os contratos da operadora, o que antes era feito de forma individual, contrato por contrato.
A medida visa proporcionar uma redução nos percentuais de reajuste aplicados neste tipo de contratação, que atualmente atingem altos patamares. Mesmo assim, os clientes poderão sofrer reajuste técnico ainda que sua sinistralidade tenha atingido o patamar aceitável na contratação do produto (em torno de 70%). Apesar dessa metodologia de reajuste não apresentar impacto financeiro à operadora de plano de saúde no momento inicial, os beneficiários podem optar por romper o contrato por um impacto causado por outro cliente da operadora.
A meu ver, apesar da possibilidade de se ter um controle maior sobre os reajustes, a regulamentação vai impactar negativamente mais as operadoras do que os próprios beneficiários e as organizações que contratam esses planos coletivos. Atualmente, cerca de 71% dos planos coletivos são empresariais (segundo dados da ANS Tabnet), e a negociação e a escolha dos planos são opções das próprias empresas, e não dos beneficiários.
Nesse caso, acredito que as empresas têm capacidade suficiente para buscar alternativas mais adequadas às suas condições e necessidades, sem que o excesso de regulamentação prejudique a continuidade desse produto no mercado.
O segundo ponto do PL que vale destacar é a possibilidade de contratação e pagamento dos planos coletivos por adesão diretamente com as operadoras, sem a necessidade de utilizar as administradoras de benefícios como intermediárias.
Essa desobrigação de contratar planos de saúde sem as administradoras de benefícios é mais um indício de que esse tipo de negócio pode estar com os dias contados.
Dito isso, entendo que a sustentabilidade das administradoras de benefícios vai depender da transformação do seu modelo de negócio, no sentido de apresentar uma nova proposta de valor ao beneficiário e às organizações contratantes. Hoje, as administradoras levam cerca de 20% do que é pago pelo beneficiário. Sem essa intermediação, pode ser que o consumidor pague menos em planos coletivos e ganhe, assim, maior controle e visibilidade sobre o valor da mensalidade do seu plano de saúde.
Apesar da celeridade desejada pelo relator do PL, o presidente da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), Paulo Rebello, disse que espera que o projeto não seja aprovado este ano na Câmara. Para ele, novas discussões com representantes do setor ainda são necessárias para que o resultado esperado seja atingido. Agora é aguardar as próximas etapas e saber o que de fato será implementado e o que será abandonado.
Além desses dois pontos importantes, existem diversas outras adições e modificações na antiga Lei dos Planos de Saúde propostas pelo PL. Na tabela abaixo estão os principais pontos do texto e a nossa percepção de como essas mudanças podem impactar positiva e negativamente o setor:
PL DOS PLANOS DE SAÚDE (7419/2006) – DESTAQUES POSITIVOS | ||
Nova proposta | Como era | Impacto para o setor |
Operadoras podem oferecer descontos ao consumidor por adesão e permanência em programas de saúde (Art. 1º § 7º)
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Não existia possibilidade de descontos para programas de saúde |
Positivo: incentiva o cuidado de prevenção à saúde do beneficiário e permite redução de sinistralidade
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Tecnologias incorporadas ao SUS serão incluídas no Rol nas mesmas condições observadas no sistema público (preço, compartilhamento de riscos etc.) (Art. 10 § 10) |
Inclusão no Rol de tecnologias incorporadas ao SUS também em 60 dias, sem condições semelhantes para operadoras
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Positivo: preços praticados para o mercado privado serão reduzidos, já que hoje são vendidos com valor superior ao do SUS |
Fiscalização da ANS sobre cumprimento das operadoras para procedimentos e tratamentos fora do Rol e aplicação de penalidades (Art. 10 – § 14) |
Artigo novo – ANS não possuía essa atividade antes
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Positivo: Aumento da fiscalização de autorização de procedimentos fora do rol pela ANS
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Operadora deverá indenizar beneficiário caso procedimento seja negado injustamente (Art.25. § 8º)
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Cláusula não existia antes |
Positivo: nova forma de proteção ao consumidor |
Pessoas jurídicas podem contratar planos coletivos por adesão diretamente com operadoras; a participação de administradora de benefícios é opcional (Art. 1º-B.)
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Antes planos coletivos por adesão podiam ser contratados somente com administradora como intermediária
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Positivo: permite contratação de plano coletivo por adesão sem intermédio das administradoras; pode reduzir preço para o consumidor
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Administradoras devem informar nº de vidas à ANS em planos coletivos por adesão ou empresariais; faturas de pagamento às administradoras deverão conter valor destinado a elas; remuneração não poderá ser fixada como percentual da contraprestação às operadoras, sem modificações com base em reajustes por aumentos de custo (Art. 1º-C; § 1º; § 2º)
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Artigo e parágrafos novos. Antes administradoras somente informavam dados financeiros, sem descrição de valor pago na fatura do consumidor, somente o percentual destinado a elas
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Positivo: Dá maior transparência ao mercado e ao consumidor sobre o percentual pago às administradoras e possíveis reajustes |
Beneficiário pode solicitar portabilidade de carência entre planos de diferentes tipos de contratação (Art. 13-A.)
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Artigo novo – portabilidade de carência só era permitida entre planos do mesmo tipo de contratação
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Positivo: Facilita a portabilidade entre planos pelo consumidor |
Percentual máximo de coparticipação cobrado do beneficiário não pode ultrapassar 30% do valor do procedimento (Art. 16-A § 1º)
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Percentual não estava estabelecido na legislação antes |
Positivo: Estabelece limites de cobrança de coparticipação e previsibilidade de cobrança ao consumidor
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Isenção de cobrança coparticipação e franquia em ações preventivas e de rastreamento (Art. 16-A § 5º)
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Não havia legislação semelhante antes do novo texto |
Positivo: Incentiva beneficiário ao cuidado preventivo e pode reduzir sinistralidade
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Vedada a cobrança de mecanismos financeiros de regulação para internações psiquiátricas (Art. 16-A § 6º)
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Não havia legislação semelhante antes do novo texto |
Positivo: Garante acesso à pacientes psiquiátricos sem cobrança de coparticipação ou algo do gênero
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Atendimento presencial em capitais e regiões com percentual mínimo de concentração / Atendimento telefônico 24h e 7 dias por semana para operadoras de grande porte e dias úteis e horário comercial para operadoras de pequeno e médio porte (Art. 16-B/ Art.16-C I)
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Não havia legislação semelhante antes do novo texto |
Positivo: Estabelece normas claras para melhorar atendimento ao consumidor
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PL DOS PLANOS DE SAÚDE (7419/2006) – DESTAQUES NEGATIVOS | ||
Nova proposta | Como era | Impacto para o setor |
Cobertura de exames laboratoriais solicitados por nutricionistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e TO; cobertura de sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, TO, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde não médicos (Art.12 – itens D e E)
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Itens novos – coberturas não faziam parte de exigências mínimas em regulamento |
Negativo: Liberação de sessões de terapias diversas por lei, que hoje já impactam o setor negativamente pelo volume |
Vetada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato, salvo por fraude ou não-pagamento por período superior a 60 dias, consecutivos ou não, com notificação do consumidor presencialmente ou comunicação escrita com Aviso de Recebimento (Art.13 – II)
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Suspensão ou rescisão unilateral era permitida, sem necessidade de confirmação de comunicação do consumidor, em caso de não pagamento de 60 dias consecutivos
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Negativo: Notificação do consumidor por AR ou presencial vai gerar atraso e custo alto para o setor |
Prazo máximo para análise de autorizações será reduzido pela metade em caso de pessoas idosas (Art.16. § 4º)
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Parágrafo novo – não havia redução de prazo de autorização especial para idosos antes
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Negativo: Maior pressão para autorizações acima dos 59 anos, faixa etária em crescimento no país
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Substituição de prestadores por outro equivalente comunicando consumidor com 60 dias de antecedência (Art. 17.; Art. 17.§ 1º)
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Substituição de prestadores possível com comunicação de 30 dias de antecedência
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Negativo: Maior dificuldade para alteração de rede credenciada (prestadores e hospitais em específico) |
Redimensionamento por redução em hospitais não permitida se impactar massa assistida; exclusão de emergência e urgência com impacto aos assistidos poderá ser realizado se oferecido em outro estabelecimento de saúde (Art.17. § 4º-A; § 4º-B.)
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Parágrafos novos – regras para redimensionamentos e substituições não estavam presente na legislação |
Negativo: Dificuldade maior no descredenciamento por redução em rede hospitalar
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Para descredenciamento de prestadoras, a comunicação deve ser feita de forma ativa e ostensiva com obtenção de ciência do consumidor (Art. 17. § 5ºA.)
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Parágrafo novo – obtenção de ciência do consumidor em comunicações de descredenciamento não era obrigatória antes
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Negativo: Dificuldade no descredenciamento, com necessidade de se obter ciência do consumidor, atividade de alto custo para o setor
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Operadoras não podem restringir liberdade do profissional do prestador, seguindo protocolos e recomendações das sociedades (Art. 18. IV)
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Inciso novo – legislação não tinha cláusula sobre restrições da atividade dos profissionais
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Negativo: Dificulta estabelecimento de protocolos para atuação dos prestadores credenciados |
Em caso de falta de garantias financeiras, ANS pode alienar carteira ou assumir regime de direção fiscal sem prazo limite (Art. 24.)
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ANS pode alienar carteira ou assumir regime de direção fiscal por, no máximo, 365 dias |
Negativo: Não há mais limite para ANS assumir regime de direção fiscal |
Infrações da lei e regulamentos terão multa aplicada pela ANS de no mínimo R$ 5 mil e R$ 1 mil para planos odontológicos, sem limite máximo (Art.27. § 8º)
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Antes aplicação de multa ia de R$ 5 mil a R$ 1 milhão, sem diferenciação de valor mínimo para planos odontológicos
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Negativo: Não existe mais previsibilidade de multa máxima a ser paga pelas operadoras |
Cálculo do percentual de reajuste dos planos coletivos com menos de cem beneficiários será feito por agrupamento de todos os contratos da operadora, sem depender do número de beneficiários existentes (Art. 15-B.)
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Percentual de reajuste definido por negociação independente por contrato da operadora |
Negativo: Pode prejudicar equilíbrio financeiro por unir sinistralidade de diversas carteiras da operadora. Não regulamenta, apenas há cálculo com base em pool maior de risco
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Caso índice de reajuste do plano coletivo seja superior ao último percentual máximo para planos individuais estabelecido, será necessário anuência prévia da ANS (Art. 15-B.§ 1º)
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ANS não interferia no percentual de reajuste de planos coletivos |
Negativo: Pode prejudicar equilíbrio financeiro por unir sinistralidade de diversas carteiras da operadora |
Isaac Medeiros, Diretor Sênior da A&M (Alvarez & Marsal) Healthcare na América Latina.