No Dia Nacional de Conscientização sobre as Distrofias Musculares, celebrado em 17 de setembro, é essencial destacar a gravidade dessas doenças, entre elas a Distrofia Muscular de Becker (DMB), pelo impacto significativo que provoca na qualidade de vida do paciente. Após o diagnóstico, a progressão leva à perda da independência, uma vez que a pessoa passa a necessitar de cuidados médicos contínuos e de suporte familiar. Embora ainda sem cura, existem abordagens terapêuticas e estratégias de manejo que podem aliviar os sintomas e retardar o avanço da doença.
A estimativa é de que a Distrofia Muscular de Becker afete um em cada 18.518 nascidos vivos no Brasil. O diagnóstico por meio de análises genéticas e testes de distrofina e a identificação precoce são essenciais para o tratamento adequado da doença.
Provocada por mutações no gene DMD localizado no cromossomo X, responsável pela produção da proteína distrofina, a DMB é uma doença genética que afeta principalmente os músculos esqueléticos e cardíacos. A proteína é crucial para a estabilidade e integridade das fibras musculares.
Com a doença, os neurônios neuromotores não são diretamente impactados, mas os músculos sofrem danos progressivos durante as contrações. Como resultado, os sinais enviados pelos neurônios não são eficientemente transmitidos, o que resulta em fraqueza e degeneração muscular. Geralmente, o início ocorre nos músculos das pernas e da pelve e progride para braços e tronco.
Os impactos na vida do paciente são consideráveis: ele passa a ter dificuldade na locomoção, por exemplo, para subir escadas e realizar atividades diárias, também a doença pode afetar o músculo do coração, causando cardiomiopatia dilatada e levar à insuficiência cardíaca e arritmias. Devido a complicações cardiorrespiratórias, a expectativa de vida é consideravelmente menor: até a meia-idade ou pouco mais.
A perda de mobilidade pode variar amplamente entre os pacientes. Embora muitos mantenham a capacidade de caminhar até a idade adulta, outros podem necessitar do uso de cadeiras de rodas ou se tornarem tetraparéticos – quando há limitações de movimentos e de sensação – em idades mais jovens. Fatores genéticos e a localização das mutações no gene da distrofina desempenham um papel crucial na severidade dos sintomas e na progressão da doença.
Ainda que não haja cura, abordagens terapêuticas emergentes como as terapias gênicas, celulares e farmacológicas são promissoras para minimizar os sintomas e barrar o avanço da doença. Um ensaio clínico com a follistatina para inibir a via da miostatina resultou, na primeira fase, em aumento da força muscular e melhorias na caminhada. Estudos com plasmídeos de distrofina mostraram expressão da proteína distrofina em alguns pacientes sem efeitos adversos significativos.
Tratamentos com transplante autólogo de Células Mononucleares de Medula Óssea (BMMNC), seguido de reabilitação multidisciplinar, evidenciaram melhorias graduais na força muscular e funções respiratórias, além de estabilização da doença. Mesmo em doses baixas, corticosteroides como prednisona têm sido utilizados para retardar a deterioração funcional. Tratamentos precoces com inibidores de Enzima Conversora de Angiotensina (ACE) para cardiomiopatia associada à DMB trouxeram resultados positivos para evitar a progressão para insuficiência cardíaca grave.
O manejo multidisciplinar também é de extrema importância para melhorar a qualidade de vida dos pacientes, como manter a mobilidade e prevenir contraturas articulares por meio de exercícios regulares e do uso de dispositivos ortopédicos. Para gerenciar os múltiplos aspectos da doença, cuidados contínuos com cardiologistas, neurologistas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais são essenciais.
Outra consequência da falta da proteína distrofina é o comprometimento cognitivo, que impacta a aprendizagem, e há possibilidade de desenvolver distúrbios psiquiátricos significativos, como depressão e esquizofrenia. Ao afetar os músculos orofaciais em estágios mais avançados da doença, o paciente pode apresentar dificuldades no controle da língua e na deglutição, o que leva a problemas de nutrição, risco de aspiração e pneumonia.
Existem gatilhos para o diagnóstico precoce. A presença de histórico familiar de DMB é um indicador importante para antecipar os testes genéticos em parentes de primeiro grau, mesmo antes do aparecimento de sintomas. Fraqueza muscular progressiva, dificuldades na marcha e aumento dos níveis de creatina quinase (CK) no sangue são sinais que podem levar à descoberta da doença. Nestes casos cada minuto conta.
Antonio Gomes Lima Junior, neurorradiologista e coordenador científico na Hapvida NotreDame Intermédica.