Todos queremos viver mais e melhor. Mas raramente nos damos conta de que, para isso, precisamos de um plano estruturado que envolva sono adequado, alimentação equilibrada, prática consistente de atividade física e, principalmente, atenção direcionada às doenças que mais matam no mundo: doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, câncer e demências.
O ponto central é que essas condições costumam ter o mesmo denominador comum: hipertensão, dislipidemia e resistência insulínica, frequentemente evoluindo para diabetes. O problema é subestimado porque mais de 60% dos adultos já apresentam algum grau de resistência insulínica, muitas vezes com exames tradicionais aparentemente normais. Enquanto isso, o corpo vai compensando silenciosamente, acumulando dano metabólico que só se tornará evidente anos ou décadas depois.
É difícil esperar que as pessoas façam mudanças significativas no estilo de vida por doenças que ainda não se manifestaram e cujos benefícios só aparecerão no longo prazo. O rastreio precoce é valioso por dois motivos. Primeiro, porque permite identificar objetivamente quem já está no caminho da síndrome metabólica, mesmo sem sintomas. Segundo, porque cria a oportunidade de demonstrar, com dados claros e comparativos, o quanto o risco pode ser reduzido após intervenções bem direcionadas. Isso transforma o conceito abstrato de “saúde futura” em algo palpável e motivador.
O mais impressionante é que, muitas vezes, intervenções não farmacológicas relativamente simples podem modificar drasticamente esse quadro. Melhorar a qualidade do sono, ajustar a alimentação com foco em proteínas, fibras e redução de ultraprocessados, caminhar mais, treinar força duas ou três vezes por semana e manter o peso abdominal sob controle já têm potencial de reverter resistência insulínica, normalizar triglicerídeos e baixar a pressão. Pequenas escolhas diárias, mantidas por tempo suficiente, mudam a trajetória do risco individual e populacional.
Essa é a verdadeira mudança de paradigma: sair do modelo centrado no tratamento tardio das doenças crônicas já instaladas para investir na prevenção agressiva, corrigindo precocemente os distúrbios metabólicos que alimentam o avanço silencioso dessas condições. Quando olhamos para as estatísticas e para a prevalência desses fatores, fica claro que são raríssimos os que não se beneficiariam de uma estratégia estruturada de rastreio e intervenção precoce. Está na hora de mudarmos o foco da medicina de tratar o óbvio para prevenir o inevitável.
Dr. Rafael Cremonese é médico intensivista de formação e integra o Board Médico da WAC Global Tech, primeira healthtech especializada em rastreio precoce de doenças de grandes populações.