Os médicos reconhecem que a obesidade é uma doença crônica, porém, interrompem o tratamento quando o indivíduo perde peso. Um entre dez médicos ainda não reconhece a necessidade do acompanhamento nutricional. Apenas um terço dos especialistas se sente capacitado para ajudar o paciente a cessar o tabagismo. Estas são algumas das muitas observações levantadas na pesquisa de percepção “Receita de médico: o que pensa quem cuida de diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares”.
Idealizado pelo endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, pesquisador da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto, o questionário foi aplicado durante o Endodebate 2022, que ele realiza há seis anos, reunindo alguns dos maiores especialistas em diabetes do país. Em menos de 30 dias, teve a adesão de 654 participantes de 17 especialidades do banco da dados da Clannad Editora, que atuam nas cinco regiões do país.
A análise quantitativa e qualitativa contemplou as categorias geral, endocrinologistas e cardiologistas. Nessa amostra, a maioria dos médicos atende principalmente pacientes das classes A e B, sendo que 401 deles (61,3%) atuam exclusivamente na rede privada (particular e convênio) e apenas 36 médicos (5,5%) atuam exclusivamente no SUS. Os demais (217/33,2%) conciliam o SUS com atendimento aos pacientes de convênios e particulares. Esse perfil da amostragem é considerado no momento de interpretação do resultado.
Desde 2018, Barra Couri vinha realizando pesquisas de percepção com pessoas da sociedade civil para entender o que os pacientes sabem (e o que não sabem) sobre endocrinologia, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, hábitos de vida saudáveis e prevenção dos problemas mais prevalentes. Em 2022, a proposta foi amarrar as pontas e descobrir o que se passa na cabeça do ator principal da equipe de saúde, que é o médico. Para tanto, foi criado um setor de inteligência que envolve a Editora Clannad e o Endodebate e Diacordis, congressos que tratam da relação entre cardiologia e endocrinologia.
“O médico tem a obrigação de ser um eterno estudante. Não há outra opção. Anteriormente, tínhamos difícil acesso às informações sobre evidências científicas e atualizações. Em compensação, agora parece que há uma avalanche de dados e conteúdo, o que também torna a educação médica um desafio. Foi fundamental a adesão de tantos profissionais, que doaram seu tempo para se dedicar ao questionário e nos ajudar a planejar o futuro da saúde”, diz Barra Couri, que é coordenador dos congressos Diacordis e Endodebate.
A análise trazida no relatório passa por temas como diabetes, obesidade, doença gordurosa do fígado, hipertensão, dislipidemias e doenças cardiovasculares. “Perguntamos também sobre temas frequentes no nosso dia a dia, como doença renal crônica, transtorno depressivo, climatério e compulsão alimentar”, destaca Barra Couri.
Alguns resultados que compõem o relatório
- Pacientes com doença renal crônica grave devem ter LDL-colesterol menor do que 50 mg/dl. No entanto, apenas um entre quatro médicos marcaram que esta deve ser a meta do paciente de alto risco.
- Os médicos reconhecem que a obesidade é uma doença crônica. Mas, paradoxalmente, três entre dez pacientes que interrompem o tratamento quando o indivíduo apresenta uma boa perda de peso.
- Apenas um pouco mais da metade (55%) dos endocrinologistas responderam se sentir capacitados e tratam mulheres no climatério. Uma pergunta é: essa mulher não precisaria ser encaminhada para o ginecologista sempre? O encaminhamento parece menor do que o desejável. Sem dúvida, ele precisaria cuidar do caso junto, até para fazer o exame ginecológico.
- Um terço dos entrevistados afirmam tratar ou gostariam de tratar a depressão. Contudo, um número maior de médicos (62%), receitam medicamentos antidepressivos. As reflexões propostas a partir destes dados: endocrinologistas e cardiologistas devem tratar a depressão? Há espaço para Educação Continuada desses especialistas? Ou o caminho mais interessante seria estreitar o diálogo entre clínicos que cuidam do diabetes e dos problemas cardiovasculares e psiquiatras?
- Apenas 1/3 dos entrevistados se sentem capacitados para ajudar o paciente a cessar o tabagismo, um dos fatores que mais provocam mortes por problemas do coração no mundo. Chama a atenção que um bom percentual dos médicos indica medicamentos antitabagismo, apesar de dois entre três não se sentirem capacitados.