Lucas Erichsen sentia-se triste. Ele estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), onde se viu novamente isolado e distante de sua rotina. O primeiro internamento havia sido em 2017, após sofrer um acidente vascular cerebral (AVC). Três anos depois, um aneurisma e uma pneumonia o fizeram retornar ao hospital para receber cuidados médicos. Mais uma vez, todos os seus planos foram suspensos e ele deu início ao período mais difícil: a luta pela vida.
Mas o sorriso de Lucas, de 22 anos, voltou a estar estampado no rosto após ser convidado a mergulhar em um novo universo. “Ali tudo era possível, desde andar de carro até pilotar um helicóptero”, conta. A experiência vivida pelo jovem não foi magia nem alucinação. Foi, sim, parte do tratamento do fisioterapeuta Rafael Cavalli, que faz uso de óculos de realidade virtual (RV) no atendimento a pacientes do hospital 100% Sistema Único de Saúde (SUS) de Curitiba. “A ferramenta ajuda a tornar as sessões de reabilitação mais divertidas e eficazes, auxiliando pacientes com limitações motoras na recuperação”, explica o fisioterapeuta.
De uns tempos para cá, a realidade virtual vem ganhando espaço no cotidiano. São computadores, videogames, óculos especiais e outros dispositivos que têm como principal proposta fazer com que o indivíduo se sinta imerso em uma espécie de existência fictícia. Não é de estranhar que essas ferramentas invadam os corredores de hospitais, consultórios e laboratórios. “Os óculos de RV podem ser usados para ajudar na locomoção de pacientes com mal de Parkinson, na fisioterapia de quem sofreu derrame cerebral e para amenizar os sintomas da depressão, por exemplo”, detalha Rafael Cavalli.
O que as pesquisas dizem
Inicialmente desenvolvida para o entretenimento, a realidade virtual tem sido testada no tratamento de diversos problemas de saúde, como o estresse pós-traumático. A primeira utilização da tecnologia para esse fim foi em 1997, quando pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Georgia, nos Estados Unidos, realizaram um estudo com 10 veteranos de guerra traumatizados e que não haviam conseguido melhora pelas terapias convencionais. O programa, chamado Vietnã Virtual, expunha os ex-soldados a situações realistas que eles haviam vivenciado décadas antes na guerra.
Em um espaço seguro, controlado e com o acompanhamento de um profissional ao lado, a RV os levava de volta às selvas vietnamitas. Enquanto o terapeuta manipulava o software e intensificava os sons de batalha, os pacientes eram convidados a narrar seus traumas. O tratamento durou um mês e, no fim desse período, os 10 voluntários demonstraram melhora no quadro. A partir daí, foram iniciados mais testes, com número maior de participantes, tratados nos mais diversos cenários que simulavam situações distintas.
Logo, a realidade virtual se mostrou ser mais do que apenas uma ferramenta descolada para transportar o usuário para outros cenários. De acordo com pesquisa feita pelo hospital americano Cedar-Sinai, publicada no periódico JMIR Mental Health, a tecnologia também contribui para diminuir dores de pacientes. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores contaram com a ajuda de 100 pacientes diagnosticados com dor nível 3, em uma escala de 0 a 10. Metade deles usou óculos de realidade virtual e os outros 50 pacientes assistiram à televisão, ambos com cenas relaxantes. Os resultados mostraram que aqueles que usaram os óculos tiveram uma queda média de 24% na escala de dor, já para quem assistiu na tela 3D a dor diminuiu apenas 13%.
Além da dor, a RV vem sendo minuciosamente estudada como um moderno instrumento de apoio à prática fisioterapêutica, podendo ser aplicada de múltiplas formas. Recentemente, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) concluíram que o uso da realidade virtual provoca níveis leves e moderados de atividade física em pacientes da UTI. Durante as 100 sessões de fisioterapia monitoradas na pesquisa, os pacientes internados nas unidades do Departamento de Emergência do Instituto Central do Hospital das Clínicas atingiram grau leve de atividade em 59% da duração das sessões, e 38% de nível moderado de atividade.
Tecnologia que humaniza
“Não estou atendendo bem um paciente pelo que ele tem, mas pelo que ele é”. A frase do fisioterapeuta Rafael Cavalli explica a importância de iniciativas inovadoras dentro do SUS. No Hospital Universitário Cajuru, o tratamento com óculos de realidade virtual permite ouvir, oferecer conforto e compreender as opiniões dos pacientes. Longe de perder o protagonismo no processo de reabilitação, os profissionais de saúde passam a atuar como supervisores de todo processo. “Se fosse eu internado lá, será que eu ia gostar de receber apenas um tratamento padrão? A realidade virtual vem nesse sentido, de personalizar e humanizar o atendimento”, relata o fisioterapeuta.
O objetivo do tratamento de reabilitação é estimular os movimentos musculares de modo que o paciente crie uma memória motora. É nesse contexto, então, que entra a realidade virtual. Uma ferramenta inovadora na fisioterapia e que tem sido utilizada na avaliação e reabilitação de pessoas com distúrbios do movimento, do equilíbrio postural e da marcha. “Imagine um paciente que perdeu movimentos de determinadas partes do corpo e precisa se submeter à fisioterapia. E se esses exercícios pudessem ser facilitados com o uso de cenários de realidade virtual?”, questiona o fisioterapeuta.
É por essa razão que a realidade virtual já está sendo utilizada como parte do tratamento para alguns pacientes em reabilitação, como o Lucas Erichsen, sendo uma maneira mais lúdica de aplicar as atividades. “O Lucas é um paciente jovem que estava há três meses internado no hospital. Após uma conversa, descobri que ele gostava de corrida, música eletrônica e aviação. A partir disso montei um vídeo que se encaixasse naquilo e o resultado foi surpreendente”, complementa Rafael.
A humanização no tratamento devolve esperança para pacientes e permite que eles voltem a sonhar. Com um acompanhamento mais próximo e especializado, é possível reduzir o sofrimento e proporcionar um tratamento mais digno. “Foi bom receber esse carinho durante a internação no hospital. O tratamento me ajudou a evoluir e sair da depressão”, revela Lucas.