terça-feira, dezembro 3, 2024
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Ética Médica: Da formação acadêmica à prática clínica

por José Carlos Baptista-Silva
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Etimologicamente a palavra ética vem da palavra grega “ethos” e dependendo da entonação pode ser ética ou moral. A ética é o respeito ao pensamento, à vida e ao relacionamento mútuo, colaborando para a felicidade coletiva. Enquanto que moral está mais relacionada aos costumes, porém, não menos importante ao respeito e a felicidade da humanidade.

A família tem uma ação fundamental na formação da pessoa, ensinando-a a ética e a moral. A família precisa, por meio de exemplos éticos e morais, demonstrar aos filhos a necessidade de humanidade, de respeito ao próximo para promover a felicidade coletiva. A pessoa depende da felicidade coletiva ou, no mínimo, das pessoas do convívio mais próximo.

A escola tem a obrigação de fornecer ao aluno a educação de qualidade com as melhores evidências, provendo a inclusão social com princípios éticos e morais. A escola não pode ser tendenciosa e nem omissa, precisa preparar o aluno para o futuro com conhecimento atualizado e com respeito a todas as mudanças sociais, não pode ser discriminativa. A escola médica precisa formar o cidadão médico dentro da ética e moral para o que profissional tome decisões dentro das melhores evidências, cuidando das pessoas que o procuram. Lembrando que a vida inicia-se quando a gameta masculino fecunda o óvulo, embora haja divergência.

O Conselho Federal de Medicina tem atualizado rotineiramente o Código de Ética do estudante de medicina e do médico, trazendo mais segurança à coletividade. A medicina tem por princípio assegurar ao indivíduo: o bem-estar, benevolência, autonomia, não maleficência e justiça distributiva, independente de gênero, de orientação sexual, de idade, da religião, da cultura, da classe social, da origem, cor da pele, da doença, etc. O importante é a proteção do ser humano com igualdade e justiça. Com o avanço da medicina ao longo da existência da humanidade, a tecnologia tem que ser usada com parcimônia, muito estudo e com esclarecimento ao doente. Aqui podemos citar a biologia molecular, engenharia genética, reprodução humana, novos medicamentos, transplante de órgãos, a robótica, a Inteligência Artificial, as próteses, as endopróteses, os cateteres, os fios de sutura aplicados à medicina, etc.

A boa medicina é praticada com entendimento mútuo entre o ser humano que procura ajuda e o médico que o atende, sempre com respeito e atenção.  A má prática médica é inaceitável tanto do ponto de vista por falta de conhecimento técnico para exercê-la quanto por má-fé.

O professor de escola médica tem importância fundamental na formação técnica do jovem médico e também com exemplos éticos na formação do relacionamento humano, respeitoso e justo ao paciente.

Infelizmente, tivemos muitos casos de professores e pesquisadores que não se comportaram como bons mestres, e isso pode ter atrapalhado o controle ético e moral dos alunos. Cito: Gerhard Henrick Armauer Hansen (1841-1912, Noruega) conhecido pela identificação do Mycobacterium leprae como o agente causador da hanseníase em 1873. Em 1875, Hansen tentou infectar com o mycobacterium leprae pelo menos uma mulher sem consentimento e, embora nenhum dano tenha sido causado, o caso terminou no tribunal e Hansen perdeu seu cargo no hospital de Bergen, porém continuou como médico na Noruega. William Stuart Hasted (1852-1922), foi um cirurgião norte-americano, estabelecido na Universidade Johns Hopkins, Baltimore, que desenvolveu a assepsia, o uso de luvas, a transfusão de sangue, a anestesia e várias técnicas operatórias, inclusive a mastectomia radical, e também a organização da residência médica.  Porém, como era adicto à morfina e cocaína, trouxe também problemas comportamentais para alunos e residentes da Universidade Johns Hopkins.

Grave também é a participação de médicos em conflitos como na Segunda Guerra Mundial, praticando experiências com seres humanos, inadmissível. Médicos são para cuidar da vida.

Outra participação inaceitável de médicos e enfermeiros foi no Instituto Tuskegee, Alabama, onde 399 homens negros com sífilis, e mais outros 201 sem a doença, participaram de um experimento “sem consentimento” com o intuito de tratar uma doença “ruim” do sangue. Esse experimento durou de 1932 a 1972, e neste período muitas pessoas foram contaminadas e houve muitas mortes. Mesmo que em 1943 o tratamento padronizado já fosse com a penicilina, somente em 1972 o secretário de Estado de Saúde Americano determinou o fim deste experimento e, mais recentemente, em 1997, o presidente Bill Clinton pediu desculpas aos participantes desse terrível acontecimento.

O não comprometimento com a boa ciência faz mal aos novos cientistas e médicos, contamina-os. Pode ser conferido no site  (acessado em 09/09/2024). O “erro médico” é a terceira causa de morte nos Estados Unidos da América, segundo um levantamento da Universidade Johns Hopkins 2016, o gasto anual de 20 bilhões de dólares e a infecção hospitalar consomem entre 35 e 45 bilhões. Os profissionais de saúde podem experimentar efeitos psicológicos profundos (por exemplo, raiva, culpa, inadequação, depressão e ideação suicida) devido a erros reais ou percebidos, que podem ser agravados pela ameaça de ação legal iminente.

Outro dado que chama a atenção é o suicídio entre médicos, que é maior que entre os demais grupos populacionais, ligeiramente aumentado entre as mulheres médicas. O suicídio é um problema de saúde pública complexo e multifacetado que afeta indivíduos de todas as esferas da vida, incluindo profissionais de saúde, como médicos. De acordo com pesquisas, os médicos têm um risco maior de suicídio em comparação com o restante da população, com uma taxa estimada de suicídio que é duas a três vezes maior do que entre os demais grupos. O suicídio em médicos pode ter consequências devastadoras, não apenas para o indivíduo, mas também para seus pacientes.

Os fatores que contribuem para o suicídio em médicos são numerosos e frequentemente inter-relacionados. Os médicos são expostos a vários estressores em suas vidas diárias, incluindo longas horas de trabalho, alta carga de trabalho, esgotamento e exposição a eventos traumáticos. Esses estressores podem levar a problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e transtornos por uso de substâncias que, por sua vez, podem aumentar o risco de suicídio. Além dos estressores relacionados ao trabalho, fatores pessoais, como problemas de relacionamento, estresse financeiro e histórico de problemas de saúde mental, também podem contribuir para o risco de suicídio em médicos.

O estigma e a vergonha em torno da busca por ajuda para problemas de saúde mental também podem impedir os médicos de buscar tratamento, agravando o problema. Entender os fatores complexos que contribuem para o suicídio em médicos é crucial para o desenvolvimento de estratégias eficazes de prevenção. Por isso, é necessário conhecer o comportamento desse fenômeno e os fatores associados a um maior risco de suicídio nessa população. Para tratamento adequado desses médicos em risco de suicídio, precisamos conhecer a motivação.

Infelizmente, os presidentes das Universidades (Stanford e Harvard) mais bem colocadas na classificação mundial foram obrigados a pedir demissão devido ao roubo de ideias, plágio. Como que excelentes universidades deixam seus professores chegarem ao posto máximo sem checar suas publicações? Lamentáveis exemplos para os mais jovens, que dificultam o entendimento da ética e da moral.  O presidente da Universidade Stanford Marc Tessier-Lavigne renunciou em 2023 após dados falsificados em artigos acadêmicos tornarem públicos. Um painel científico descobriu que Marc Tessier-Lavigne não participou diretamente na falsificação de dados, mas que não supervisionou adequadamente os membros de seu laboratório. A presidente da Universidade Harvard, Claudine Gay, teve que renunciar ao cargo em 2024 devido ao antissemitismo e plágio também.

Eu trouxe estes exemplos marcantes da literatura médica e acadêmica para alertar os pais e professores da nossa responsabilidade na formação do cidadão do bem. E como sou professor de uma escola médica, sinto-me na obrigação de também participar da formação ética do médico. Não posso me esquecer da injustiça distributiva de renda, de medicamentos, de leitos hospitalares que dificultam o bom atendimento na área da saúde pelo médico e por todos os profissionais da saúde aos adoentados.

Por isso que afirmo que a ética médica é essencial para a prática da medicina, fornecendo um guia para a conduta profissional e ajudando a garantir que os cuidados de saúde sejam oferecidos de maneira justa e respeitosa. Os princípios de autonomia, beneficência, não-maleficência e justiça orientam os médicos em suas decisões e ações, ajudando a enfrentar os dilemas éticos que surgem no cotidiano clínico. A formação contínua e o debate sobre questões éticas são fundamentais para que os profissionais de saúde possam enfrentar esses desafios com competência e sensibilidade, promovendo um cuidado de saúde que respeite a dignidade e o bem-estar dos cidadãos.

Também quero chamar a atenção para o cuidado com a saúde mental do médico, para que ele esteja preparado para atender com respeito e dignidade a população tão necessitada.

José Carlos Baptista-Silva, Angiologista e cirurgião vascular, Membro da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular – Regional São Paulo (SBACV-SP).

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