Diversos filmes de ficção científica retratam uma realidade onde as máquinas são dotadas de raciocínio e inteligência avançados, capazes de executar tarefas com muito mais eficiência e velocidade do que os seres humanos. Esse é um cenário que parece cada vez mais próximo e, acompanhando a evolução tecnológica que acontece tão rapidamente, começamos a nos questionar: será que a ficção científica vai enfim se tornar realidade? Como médico não posso deixar de refletir sobre quais serão as possibilidades, os limites e talvez até riscos do uso da inteligência artificial (IA) na saúde.
A busca pela introdução da IA na medicina para resolver problemas do dia a dia já data de alguns anos. Na década de 1990, algoritmos começaram a ser utilizados a fim de reconhecer padrões de imagens, sobretudo em exames como os eletrocardiogramas (ECG) e radiografias, para auxiliar diagnósticos. Com o passar das décadas, de fato, essa se tornou a área médica na qual mais temos casos de utilização de IA. Ela tem ajudado a tornar o processo mais ágil, inclusive apoiando com a indicação de tratamentos e medicamentos mais assertivos para os pacientes.
Outra aplicação da IA na medicina é no uso de dispositivos eletrônicos como celulares e smartwatches, que são capazes de monitorar, obter e armazenar informações sobre a saúde do usuário. Há pouco tempo, foi divulgada uma matéria sobre uma pessoa que foi alertada pelo seu relógio de que havia uma alteração no nível de oxigênio em seu sangue, ao chegar ao hospital foi constatado que o paciente estava com coágulos no pulmão e ele pôde receber o tratamento adequado. A cada ano, aumentam os relatos de dispositivos que ajudaram a salvar a vida de pessoas pelo mundo.
A questão do armazenamento de dados também é um fator importante para as pesquisas clínicas. O cruzamento de dados e informações contidas em prontuários eletrônicos e dispositivos digitais, por exemplo, pode ser utilizado a fim de identificar pacientes para participação nos estudos, trazendo mais agilidade para novas descobertas de tratamentos, medicações, vacinas, etc. Contudo, ainda esbarramos em algumas questões como a proteção de dados e a falta de pessoas e empresas que possam transformar o material extraído desses dispositivos em informação, de forma que ela seja rapidamente acessível.
Outra questão que tem chamado atenção é o uso dos chamados chats virtuais, ou seja, modelos de conversa com uma inteligência autônoma que simulam, quase que perfeitamente, o comportamento humano, mas com a vantagem de memória, armazenamento e recuperação de dados extraordinária. Protótipos desse tipo de ferramenta já vêm sendo desenvolvidos desde a década de 1960, como o chat Eliza, criado por pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology). A ferramenta ChatGPT, por exemplo, incorpora em sua biblioteca conhecimentos médicos e, se bem utilizada, poderá auxiliar os profissionais a desvendarem rapidamente diagnósticos e propor tratamentos, um passo fundamental sobretudo na tomada de decisão em emergências.
Contudo, o mau uso desse tipo de ferramenta pode ser arriscado, principalmente considerando que julgamento clínico individual, a experiência e a intuição do médico também precisam fazer parte da tomada de decisão em diversos casos. Por isso, é muito improvável que as máquinas consigam substituir totalmente as pessoas na prática clínica. Afinal de contas, um dos maiores — senão o maior — princípio da medicina é o da empatia, ou seja, somente um ser humano poderia entender o que outro ser humano sofre.
Ainda temos muito a evoluir e desenvolver nessa área, tanto em questões legislativas quanto técnicas. Mas, com base no que temos acompanhado e vivenciado, se for utilizada como um complemento e uma fonte de apoio para os profissionais da saúde, a inteligência artificial poderá impactar de forma cada vez mais positiva a vida dos pacientes.
*Remo H. M. Furtado, MD, PhD é diretor de pesquisa do Brazilian Clinical Research Institute e da Galen Academy e professor colaborador da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).