ATS unificada e o futuro da avaliação em saúde no Brasil

A criação de uma agência única para Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) no Brasil é um tema que vem ganhando força diante do crescente custo de novas terapias e medicamentos, cujos valores podem chegar a milhões de reais por paciente. A proposta visa trazer mais transparência, eficiência e uniformidade ao processo de avaliação de tecnologias, beneficiando tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) quanto o setor privado.

Atualmente, essa tarefa está dividida entre várias entidades: a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), que avalia tecnologias para o SUS; a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar (Cosaúde) e o Grupo Técnico de Saúde Baseada em Evidências, que vinculados à ANS cuidam das coberturas no setor suplementar definindo.

Embora essa estrutura traga benefícios em alguns aspectos, ela também gera duplicidade de esforços e fragmentação nas decisões, especialmente em relação a novas tecnologias de alto custo. A criação de uma agência unificada poderia centralizar esses processos de forma mais transparente e consistente, adotando critérios científicos rigorosos e focados no custo-efetividade. Assim, as decisões de incorporação e cobertura seriam baseadas em padrões claros e únicos, promovendo maior transparência na análise para a adoção de novas tecnologias.

O cenário de alta judicialização na saúde no Brasil reforça a necessidade de uma abordagem centralizada. Atualmente, muitos pacientes recorrem ao Judiciário para obter acesso a tratamentos que o sistema de saúde, público ou privado, ainda não cobre. Recentemente, ao apreciar o Tema 1234, que resultou na edição das súmulas vinculantes 61 e 60, o STF passou a exigir critérios mais rígidos para a concessão judicial de medicamentos, demandando evidências científicas robustas, como ensaios clínicos randomizados e meta-análises. Esse novo direcionamento reforça o papel da Conitec e evidencia a importância de um sistema de incorporação com critérios uniformes e transparentes, que viabilize tanto o controle de legalidade pelo Judiciário quanto a clareza nos critérios técnicos de análise, promovendo maior segurança jurídica.

Para as operadoras de planos de saúde, onde os custos elevados representam um risco significativo para a sustentabilidade, a centralização por meio de uma agência única pode ser determinante. Esse modelo ampliaria o poder de barganha, pressionando a indústria farmacêutica a reduzir os preços dos medicamentos e estabelecendo uma referência única para a precificação e a incorporação de novas tecnologias, alinhada aos valores já negociados pelo Ministério da Saúde. Esse movimento é especialmente relevante para terapias avançadas e medicamentos para doenças raras, cujos altos custos frequentemente consomem uma parcela considerável do orçamento das operadoras.

A possibilidade de otimização dos recursos ajudaria a controlar a escalada do aumento dos custos assistenciais enfrentada pelas operadoras, contribuindo para maior sustentabilidade e acessibilidade da população ao sistema privado.

A proposta de uma agência única de ATS representa, portanto, mais do que uma reorganização administrativa; é uma oportunidade de transformar o sistema de saúde brasileiro em uma estrutura mais eficiente. Com decisões centralizadas sobre tecnologias e tratamentos que realmente beneficiam a população, essa nova dinâmica tem o potencial de fortalecer tanto o SUS quanto o setor suplementar, ampliando o acesso a novas tecnologias em medicação de maneira sustentável e preservando a viabilidade financeira de ambos os sistemas.

Para que essa mudança avance, é fundamental entender o sistema de saúde seja como um conjunto interdependente, onde as ações de cada setor impactam diretamente os demais. Esse olhar sistêmico exige não apenas o alinhamento, mas também o comprometimento do Ministério da Saúde, da ANS e de outros atores envolvidos, em torno de uma visão clara dos benefícios e desafios da centralização. Somente por meio de uma estratégia bem definida e de uma colaboração intersetorial sólida será possível implementar um modelo de ATS integrado e sustentável, que atenda às demandas de ambos os setores e fortaleça o sistema de saúde brasileiro de forma holística e resiliente.

Aline Gonçalves e Rachel Duarte, advogadas do Bhering Cabral Advogados

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