Com o final da pandemia, o Sistema Único de Saúde (SUS), deixou um legado importante para a saúde pública brasileira. Para trazer um histórico, antes do SUS, o acesso à saúde era basicamente um ato de caridade. Por isso que a gente ouve tanto falar de organizações como as Santas Casas, instituições apoiadas pela igreja, por exemplo. Quando o Sistema ainda não existia, o cidadão tinha que contratar um plano de saúde privado ou ser um profissional formal, com carteira de trabalho assinada, para assim ter acesso ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), responsável pela assistência médica aos trabalhadores que contribuíam com a Previdência Social. Quer dizer, quem não praticava essa contribuição estava à margem do acesso ao serviço público de saúde.
Com a criação do SUS o atendimento passou a ser universal no país, ou seja, todos os brasileiros passaram a poder acessar o serviço público de saúde em qualquer parte do território nacional. Então, o SUS é o acesso ao direito de ter um cuidado, assistência, reabilitação, a ter uma atenção profissional sobre a saúde do cidadão público.
Hoje, olhando em perspectiva, observo que essa data se torna ainda mais especial depois dos desafios da pandemia que vivemos. Quando a covid-19 começou, há pouco mais de três anos, um grande desafio se colocava para os sistemas de saúde do mundo inteiro: como cuidar de tanta gente de forma simultânea. Como abrigar tantas pessoas necessitando de medicamentos, cuidados, respiradores? Como gerenciar custos e buscar formas de entregar mais com menos?
Em meio a uma das maiores crises sanitárias da história, entidades civis e governos uniram forças e as Organizações Sociais de Saúde (O.S.S.) se consolidaram como importantes contribuidoras para dar vazão às demandas da população, equalizando custos e fornecendo o melhor atendimento em um momento delicado da vida.
A rapidez em criar leitos, em buscar soluções para lidar com uma grande quantidade de internações, o foco em salvar vidas, as alternativas para vacinar a maior quantidade de pessoas no mínimo de tempo, assim como iniciativas de otimização de gestão e que diminuísse a pressão dos custos do sistema, são alguns dos legados que ficaram da união entre o SUS e as O.S.S., que se consolidaram como uma alternativa viável na saúde pública.
E essa constatação não é uma avaliação subjetiva. Uma pesquisa da Planisa, empresa de gestão financeira na área da saúde, que avaliou a gestão de custos de agentes públicos, indicou que as OSS´s diminuíram despesas administrativas para 6,5% da receita total, enquanto nos estabelecimentos privados a relação ficou em 8,9%. No quesito produtividade, as OSSs alcançaram uma taxa média de ocupação de 79%, ante os 65% dos beneficentes e 62% dos privados.
Para além da melhora da gestão de custos, pesquisas também avaliam a melhora e a qualidade dos serviços nas OSS. Um posicionamento do Tribunal de Contas da União (TCU), baseado em um levantamento pelo Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross), em parceria com a Organização Pan-americana da Saúde (Opas), o Instituto Ética Saúde (IES) e a Organização Nacional de Acreditação (ONA) colocou que dentre os 40 melhores hospitais públicos do país, 39 são geridos por esse tipo de Organização.
A boa produtividade e a economicidade também foram apontadas, segundo a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. De acordo com o órgão, essas instituições se mostram até 52% mais produtivas e 32% mais econômicas em relação aos serviços de administração direta. Com isto posto, fica claro o papel das OS´s nos desafios e oportunidades inerentes ao sistema.
E uma das principais ajudas é na gestão de planejamento. O trabalho organizado e sistemático de gestão é um dos grandes desafios do sistema público. E um dos trabalhos das OS´s é trazer métricas, sistemas, planejamentos que olhem para isso, que digitalizem, integrem dados, mas que também qualifiquem as pessoas para lidar com essa questão.
A formação de profissionais é outro grande desafio, aliás. As OS´s podem contribuir muito no engajamento do profissional para a saúde pública, e isso é essencial principalmente na atenção básica, além de oferecer cursos, formação, treinamento, trazer progressão de carreira, trazer visão humanizada para eles, que são fatores que diminuem por exemplo, os turnovers dentro da saúde.
E temos um último ponto que, acredito, seja o que demandará mais esforços daqui para a frente. Um ponto que precisará de um esforço coletivo, como já aconteceu no combate à pandemia, que é o estabelecimento da cultura do cuidado. O SUS não pode ser um órgão destinado a apagar incêndios, resultado de uma cultura muito hospitalocêntrica. Pelo contrário, a cultura do cuidado é um trabalho muito importante, de vigilância em saúde, de prevenção de doenças crônicas, com uma demanda de olhar para os postos de atenção básica, especialmente.
É por esse motivo, que para os próximos 30 anos, será essencial fortalecermos a atenção básica, a cultura do cuidado e a vacinação. Precisamos entender que o SUS e as OS´s não são concorrentes, mas sim fortes aliados na missão de criar mais alcance, atender com qualidade um maior número de pessoas, ampliar o acesso aos direitos e fortalecer cada vez mais essa rede, aproximando a saúde pública da ponta. Que esse legado só aumente. E viva o SUS!
Ian Cunha, superintendente do Instituto Nacional de Tecnologia e Saúde (INTS).