Nesta quarta-feira (12), o Idec protocolou uma ação civil pública na Seção Judiciária de São Paulo do Tribunal Regional Federal da 3ª Região contra a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Na ação, o instituto questiona a legalidade da Resolução Normativa nº 621/2024, que criou o ambiente regulatório experimental no âmbito da agência. A medida possibilitou a realização de sandbox regulatório, autorizando assim o teste de planos de saúde que cobrem somente consultas e exames de caráter eletivo – ou seja, que tenham menor cobertura do que os no mercado hoje -, assim como de consulta pública sobre o tema.
Acesse aqui o documento da ação. Número do processo: 5006090-73.2025.4.03.6100
O Idec avalia que existem irregularidades no processo de tomada de decisão da ANS. A agência teria aprovado, no final de 2024, a normativa de sandbox às pressas, dispensando a realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR), procedimento essencial e obrigatório de ser realizado para entender o impacto que a nova regulação terá no setor regulado de saúde, em especial os riscos aos consumidores brasileiros que contratam planos de saúde.
A justificativa dada pela agência para dispensar o AIR era de que se tratava de uma resolução normativa interna e que não haveria impacto aos agentes econômicos, caso não houvesse editais de sandbox regulatório.
Para o Idec, essa justificativa é ilegal, porque desconsidera o impacto aos agentes econômicos quando houverem editais sobre o tema, principalmente de uma agência reguladora que lida diáriamente com a vida, saúde e segurança das pessoas.
E foi justamente isso que aconteceu. Menos de dois meses depois da aprovação da regulação, a agência deu início ao processo que visa testar planos de saúde de menor cobertura, contrário à Lei de Planos de Saúde e insuficiente para garantir o cuidado dos consumidores.
A lei que autoriza as agências reguladoras a abrirem processos de sandbox regulatório determina que a inovação é requisito indispensável para ser observado. No entanto, o tipo de plano proposto pela ANS não traz qualquer inovação ao setor de planos de saúde. Trata, na realidade, de um pleito antigo das operadoras de saúde e que vem sendo discutido desde a criação da Lei de Planos de Saúde, em 1998, pelo setor regulado.
O Idec ainda defende que a agência viola a própria Lei de Planos de Saúde, em especial, os artigos 10 e 12. Isso porque a ANS não pode flexibilizar as proteções da lei e criar um modelo de plano com cobertura abaixo da legalmente autorizada. Além disso, por fazer esse tipo de flexibilização, a agência não segue as boas práticas recentes sobre sandbox, editadas pela Advocacia Geral da União e pelo Tribunal de Contas da União.
O sandbox regulatório da forma como foi lançado tem o grande potencial de atentar contra a vida, saúde e segurança dos consumidores brasileiros. Além de serem direitos e garantias fundamentais, também se tratam de direitos básicos dos consumidores e um dever dos fornecedores de produtos e serviços ao colocarem produtos e serviços no mercado de consumo.
Por isso, o Idec pede, em liminar, que o Poder Judiciário suspenda, sob pena de multa, a Resolução Normativa nº 621/2024 da ANS, que instituiu o sandbox regulatório da agência, assim como o procedimento regulatório dos planos de menor cobertura e a continuidade da consulta pública sobre o tema, diante dos riscos apresentados pela medida à saúde pública e à saúde dos consumidores. Isso para que esses momentos de participação social não sirvam apenas para atestar a presença em peso das operadoras e validação de propostas ilegais. O instituto pede ainda a anulação da Resolução Normativa n.º 621, que regulamentou o chamado “ambiente regulatório experimental”.
“Medidas como essa criam a expectativa enganosa de que as pessoas terão suas necessidades de saúde atendidas. Na prática, a proposta ampliará problemas que já existem hoje, como negativas de cobertura, reajustes descontrolados, cancelamentos sem motivo, piora na rede credenciada e na qualidade dos serviços. Já aconteceram ofensivas semelhantes no passado, mas as propostas não avançaram. Agora a ANS tenta uma manobra regulatória, defendendo claramente os interesses das empresas, enquanto deveria defender os dos consumidores e o interesse público na saúde suplementar”, afirma Lucas Andrietta, coordenador do programa de Saúde do Idec.
Dúvidas do consumidor
O Idec esclarece ainda alguns dos principais questionamentos dos consumidores sobre o tema.
Para o instituto, a ideia de que o projeto amplia o acesso das pessoas ao sistema de saúde é falsa. Isso porque estão sendo propostos planos que incluem consultas e exames, mas não todas as consultas e exames que os consumidores precisarem. Internação e atendimento em pronto socorro, por exemplo, não são cobertos. Então, o consumidor que tiver um acidente vascular cerebral (AVC) – responsável pela morte de 110 mil pessoas no país em 2023 – ou um acidente de trânsito, continuará precisando recorrer ao SUS, mesmo pagando um plano. Tratamento para TEA (transtorno do espectro autista) e câncer também não estão previstos, assim como exames essenciais para a detecção de doenças graves, como tomografias e ressonâncias.
“Os ‘planos de saúde’ de menor cobertura criam a expectativa enganosa de que as pessoas terão seus problemas de saúde resolvidos, mas dá às empresas enorme flexibilidade para restringir coberturas e limitar serviços assistenciais. A tendência é que as pessoas possam realizar algumas consultas e exames, sem qualquer garantia de qualidade, e depois se vejam desamparadas pelos seus ‘planos’ nos momentos em que mais precisarem”, explica Lucas.
O Idec explica ainda que a proposta não vai baratear os planos de saúde e que essa ideia não é compatível com cuidados em saúde adequados. Isso porque o que se vê hoje no mercado é que, quando o preço é baixo, os consumidores ficam na mão. Além disso, o instituto alerta que nada garante que os preços no momento da contratação vão se manter baixos. Como acontece em outros setores, como a telefonia, o preço promocional atrai os consumidores, que depois se veem presos a mensalidades que não param de subir.
Outro alerta do instituto é que um plano sub-segmentado não é sinônimo de cuidado e não desafogará o SUS. Ao contrário, oferece riscos à saúde dos consumidores, pois fará com que eles fiquem na mão em momentos de diagnósticos graves e que sobrecarreguem o sistema público. Sem garantia de cobertura, todas as pessoas continuarão contando com o SUS para a continuidade de sua assistência, tendo muitas vezes que recomeçar o processo. Os consumidores terão apenas gasto mais dinheiro e prolongado a sua jornada em busca de uma solução.
Por fim, para o Idec a medida da ANS aprofunda omissões regulatórias históricas. O instituto afirma que a agência deveria igualar a regulação de planos individuais e coletivos, assim como a qualidade dos serviços prestados, além de também fiscalizar a qualidade dos prestadores de serviços.
“Pesquisadores, profissionais de saúde, Poder Legislativo e corpo técnico da própria ANS vêm questionando e rechaçando há tempos a implementação de um plano de saúde com menor cobertura, porque entendem que esse modelo favorece as empresas que atuam no ramo, mas não os consumidores”, finaliza Lucas.