O ambiente hospitalar é marcado por vetores de pressão que vêm de diversas direções como a sustentabilidade financeira, a competitividade e a própria complexidade do cuidado em si, mas que convergem no valor para seu maior cliente: a experiência do paciente.
Falamos em maior cliente, porque com a evolução da compreensão do que forma a experiência do paciente permitiu enxergar todos os envolvidos no cuidado, incluindo os profissionais de linha de frente, gestão e familiares.
Para amenizar a pressão sentida no hospital, um dos recursos que tem ganhado escala é a adoção da metodologia Lean Healthcare, com foco em redução de desperdícios e aumento de valor entregue ao cliente. No entanto, estudos apontam que o seu uso está mais atrelado a aplicação de ferramentas do que a filosofia em si.
O que é Lean Healthcare?
O Lean ficou popularizado no ocidente por uma demanda do setor automobilístico nos Estados Unidos em meados de 1990. Ao observar a crescente de marcas japonesas no mercado doméstico, os norte-americanos buscaram compreender esse fenômeno e estudos como o livro de James Wormack em “A máquina que mudou o mundo” mergulhou nesse fenômeno para entender o que estava por trás do sucesso da Toyota, uma das maiores montadoras automobilísticas japonesas.
Esse entendimento do modo de trabalhar da Toyota foi denominado Lean, ou enxuto, por sua características de redução de desperdiço e geração de valor.
O Lean derivou em aplicações específicas como o Lean Manufacturing, pensando em indústria, Lean Development, para desenvolvimento de sistemas e o Lean Startup, cujo autor do termo Eric Ries, sugere para utilização não só em novas empresas, mas para todos os projetos que lidam com cenários de extrema incerteza (inclusive para intraempreendedorismo).
O Lean Healthcare, por sua vez, é a aplicação dessa metodologia na área da saúde e que em alguns casos é implementada juntamente com outra metodologia de otimização, o Six Sigma.
A armadilha das ferramentas sem alinhamento cultural
A Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT) aponta que 30% dos profissionais de saúde sofrem e burnout, a pressão constante por resultados e a rotina de ter de acumular novos processos podem ser fatores agravantes.
A implementação de um novo processo precisa ser bem planejada e sequenciada e, principalmente, ter um valor claro do porque estamos fazendo isso, impulsionando a adesão da equipe à mudança.
Quando trabalhamos a adoção de um pacote de ferramentas de Lean em uma equipe, por exemplo: Kaizen, 5S, PDCA/PDSA e Kanban, corremos o risco de colocar processos sem significado para a equipe prejudicando a sustentabilidade da mudança proposta, os tornando superficiais e temporários.
Sem um alinhamento cultural que dê suporte a essa mudança corremos o risco de encontrar resistência ao novo, falta de engajamento da equipe e percepção de valor da mudança.
Como migrar das uso de ferramentas para a cultura Lean?
O papel da liderança
O principal motor dessa mudança é o engajamento das lideranças em todos os níveis, sobretudo na alta liderança, pois ela é quem precisa patrocinar o projeto, modelar as diretrizes e viabilizar recursos para que a filosofia de melhoria contínua seja estabelecida.
Estabelecer prioridades
Não há como promover uma mudança e esperar resultados diferentes se o ambiente não for transformado. É comum um novo processo ser agregado a uma rotina e com isso as prioridades se perdem ou entram em conflito: “você quer que eu atenda mais ou use o meu tempo para preencher indicadores?”, e há gestores que pedem para fazer os dois.
Aquela velha figura do malabarista rodando pratinhos ainda é uma das melhores formas de exemplificar o acúmulo e pressão que os profissionais são submetidos ao lidar com mudanças.
Melhoria contínua
Discutivelmente um dos pilares mais importantes é aderir a cultura de melhoria contínua, isso significa desenvovler um olhar para identificar oportunidades e testar possibilidades para atingir o objetivo desejado de reduzir desperdícios e gerar valor.
As equipes precisam de um espaço seguro para validar novas ideias, por isso ciclos de solução de problemas e melhoria de qualidade como PDCA (Plan, Do, Check e Act) e PDSA (Plan, Do, Study e Act), devem ser incorporados na forma de trabalhar da equipe para impulsionar o alinhamento cultural proposto pelo Lean.
Estratégias de Disseminação e Implantação
A ciência de D&I (Disseminação e Implantação) compreende um planejamento reponsável pelo que toda empresa quer com suas mudanças: gerar sustentabilidade ou rotinizar seus novos processos.
Existem várias formas de se fazer isso, inclusive frameworks específicos da área da saúde.
Independente do método uma coisa é certa: é necessário haver um consenso entre o que precisa ser mudado e como isso deve ocorrer, a fim de gerar um engajamento dentro da equipe, reduzindo os riscos de implementação.
Melhor ainda se isso conseguir ser pensado de forma integrada com treinamento, endomarketing e com a estrutura de marca da instituição, consolidando as ações em frentes de visibilidade e engajamento de usuários.
Falar de mudança cultural pode soar assustador
Talvez isso ressoe para você como uma apresentação de slides com uma centena de telas que nunca serão aplicadas na vida real. Ou pior, algo que já tentaram fazer antes e não deu certo (e por que daria agora?).
Antes de sair adotando novas ferramentas, o mais importante é compactuar o que precisa ser mudado e porque estamos fazendo isso. A colaboração é um aliado essencial neste momento, engajando diversos níveis da organização em uma mesma direção.
Gosto de propor que essa jornada seja encarada com leveza e flexibilidade porque, quando assumimos que estamos em um processo de melhoria contínua, erros, aprendizados e mudanças são comuns e precisamos estar receptivos e resilientes, sem deixar que isso nos tire o foco do objetivo final que é gerar valor no ecossistema da saúde.
André Lorenz Filho, Sócio-diretor na Zeps Strategy Agency.