Estudo inédito realizado pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) revela aumento de cerca de 26% nos casos de câncer de mama nos estágios mais graves da doença. O artigo, publicado no International Journal Public Health (IJPH), a partir da análise de dados do DataSUS do Ministério da Saúde, demonstra que a redução do número de mamografias feitas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos períodos mais críticos da pandemia contribuiu para que novas ocorrências da doença se manifestassem antes do esperado pela comunidade médica. A situação também expõe a necessidade de aprimoramento da saúde pública. “Da forma como o cenário se mostra, o que se espera do Ministério da Saúde são atitudes proativas, com a implementação de um novo modelo de prevenção, diagnóstico e tratamento do câncer”, afirma o mastologista Ruffo Freitas-Junior, assessor especial da SBM.
O artigo “Covid-19 e o câncer de mama no Brasil”, recém-publicado no IPJH, é o primeiro estudo no País a avaliar individualmente todas as regiões do território nacional, destacando as consequências da pandemia no diagnóstico e tratamento da doença.
Em conjunto com Aline Ferreira Bandeira Melo Rocha, Glalber Luiz Rocha Ferreira, Danielle Cristina Netto Rodrigues e Rosemar Macedo Sousa Rahal, Freitas-Junior constatou no estudo que o número de mamografias realizadas por mulheres de 50 a 69 anos, faixa etária que constitui a população-alvo para a detecção precoce do câncer de mama, diminuiu significativamente nos períodos críticos da pandemia. Em 2020, foram feitos 1.613.119 exames no serviço público de saúde no Brasil, número 40% inferior às mamografias em 2019 (2.658.289). Em 2021, foram 2.189.734, 18% menor na comparação com 2019, indica o levantamento.
Antes da pandemia, os estadiamentos mais agressivos de câncer de mama representavam 40,8% dos casos. Entre 2020 e 2021, confirma o novo levantamento da SBM, os estágios 3 e 4 são 51,5% dos diagnósticos, de acordo com dados analisados no DataSUS, Departamento de Informática do SUS que monitora o tratamento da doença no Brasil. “A situação, que era ruim, piorou ainda mais. Atualmente, há um avanço de aproximadamente 26% nos estágios 3 e 4, os mais graves”, afirma.
A análise do avanço de ocorrências nos estágios 3 e 4 por regiões brasileiras revela que o Centro-Oeste desponta com 21,3%. O Nordeste aparece com 10,3%; o Norte, 16,6%. No Sudeste, o crescimento foi de 11,2% e 6,2% no Sul. “Em todas as regiões, exceto no Sul, o percentual de casos em estágios 3 e 4 superou os estágios 1 e 2 durante a pandemia”, destaca.
Para o mastologista, os efeitos negativos da pandemia no diagnóstico e tratamento do câncer de mama ocorrem antes do esperado. “Quando constatamos o aumento nos estágios 3 e 4, consideramos consequências como mastectomias totais, gastos elevados com tratamentos por parte do governo e, o pior dos cenários, o crescimento do número de mortes”, pondera.
Na avaliação de Freitas-Junior, é preciso implementar um modelo de saúde pública totalmente renovado para o diagnóstico e tratamento de câncer no Brasil. O médico destaca que o SUS não dispõe, por exemplo, de uma ferramenta que avise as mulheres na faixa dos 50 a 69 anos sobre o momento de fazer os exames e, assim reduzir a falta de rastreamento mamográfico, meio para detectar uma doença que tem alto índice de cura quando diagnosticada precocemente.
Depois do câncer de pele não melanoma, o câncer de mama é o mais incidente e a primeira causa de morte em mulheres de todas as regiões do Brasil. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) prevê 73.610 novos casos da doença até o fim deste ano.
“As políticas públicas são muito falhas. Enquanto isso, os profissionais de Saúde convivem com a expectativa de aumento de casos que, infelizmente, acaba se comprovando ano após ano no Brasil há várias décadas”, finaliza Freitas-Junior.