A pandemia do novo coronavírus trouxe inúmeros reflexos para toda cadeia de saúde no Brasil e ao redor o mundo. Além da alta demanda por atendimento, o impacto financeiro é outro fator que tem preocupado e deve abalar o setor nos próximos meses, causando desafios para Operadoras de Saúde e Hospitais. Esse cenário de crise aquece as reflexões sobre o consumo e entrega de serviços de saúde e motiva transformações nos processos, mirando em mais agilidade, eficiência e redução de custos.
Levando em conta alguns dados sobre o panorama atual, a ANAHP (Associação Nacional dos Hospitais Privados) projeta encerrar o ano com faturamento de R$ 30,6 bilhões, o que representa, na prática, uma queda de 30% quando comparado a 2019. Isso está atrelado à queda de 90% das cirurgias eletivas nos hospitais (procedimentos de alto valor agregado), à baixa rotatividade de leitos e consequente queda de pacientes no pronto socorro devido ao isolamento social – que consiste numa das principais portas de entrada para internação na saúde suplementar.
Outro aspecto a ser considerado é quanto ao custo médio de internação pela Covid-19, que tem demonstrado ser abaixo da média de outras internações, como em clínicas com UTI, por exemplo. Essa diferença trará problemas de caixa já no curto prazo, especialmente em hospitais de pequeno e médio porte, situados em regiões não metropolitanas. E, de maneira geral, há uma grande movimentação no segmento hospitalar em busca de linhas de financiamento para diminuir os impactos econômicos e financeiros da crise.
Já em relação às operadoras da saúde, observa-se, que o setor permanece estável de acordo com os dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Contudo, o impacto também será inevitável a partir do terceiro trimestre. A princípio, espera-se uma queda na sinistralidade devido ao cancelamento de cirurgias eletivas e consultas médicas. Porém, no médio e longo prazos, a tendência é de forte queda no número de beneficiários por conta do aumento do desemprego. Hoje, os planos coletivos empresariais respondem por cerca de 30 milhões de beneficiários do total de 47 milhões de pessoas com convênio médico no Brasil. Com a crise, esse total deve diminuir expressivamente.
Diante disso, algumas medidas foram adotadas pela ANS visando salvaguardar os interesses dos beneficiários e também contribuir para minimizar impactos de ordem regulatória e financeira nas operadoras. Entre elas, podemos citar: A) inclusão dos testes de detecção e diagnóstico do novo Coronavírus no rol de procedimentos e eventos de saúde; B) cobertura obrigatória para tratamento da Covid-19; C) prorrogação dos prazos máximos para realização de consultas, terapias e cirurgias (priorizando pacientes infectados); D) a prorrogação de prazos e obrigações das operadoras de saúde quanto ao envio de informações a ANS; E) adaptação de medidas temporárias no âmbito da fiscalização, visando priorizar o atendimento aos casos de Coronavírus; F) concessão de incentivos regulatórios mediante contrapartidas na renegociação de contratos e pagamento de prestadores.
Na mesma linha, em razão da necessidade de distanciamento social, o Conselho Federal de Medicina recomendou ao Ministério da Saúde a utilização da telemedicina em caráter excepcional durante a pandemia, sendo tal mecanismo também utilizado pelas operadoras de saúde. A UNIDAS (entidade que conglomera as operadoras de autogestão no Brasil), por exemplo, disponibilizou gratuitamente, por meio de uma parceria, o atendimento via telemedicina a seus beneficiários.
Essas são mudanças significativas que devem guiar o futuro do setor: o uso racional do sistema de saúde, público ou privado deve servir de norteamento para conscientização da população sobre o uso indiscriminado de serviços – que contribui para o mau atendimento, além de onerar e sobrecarregar o sistema como um todo. Após a passagem do coronavírus, a tendência é que se avalie melhor a necessidade de se dirigir até um pronto socorro, dando preferência para a teletriagem ou atendimento remoto, desafogando assim filas e aglomerações. Os serviços públicos de saúde certamente vão enxergar valor ao usar processos e tecnologia para atender com qualidade quem precisa e reduzir o desperdício.
Neste momento em que muito se fala sobre controle e gestão, algumas transformações serão aceleradas, como o uso de Inteligência Artificial para estudos preditivos; migração de modelos de remuneração fee for service para outros que privilegiam a performance; uso de Big Data para propiciar acesso às mais variadas informações e em grande quantidade; promoção de saúde e prevenção de doenças por meio da atenção primária; conectividade e interoperabilidade entre sistemas e plataformas; personalização dos serviços; investimento em redução de desperdícios e fraudes; telemedicina, teleconsulta e até comando de voz para diagnosticar algumas doenças, como a depressão.
Do lado das operadoras privadas, investir em gestão de casos e prevenção será uma prioridade, já que as empresas estão revendo seus custos. Caso contrário, elas acharão outros caminhos para oferecer saúde integral aos seus colaboradores de forma direta. Por isso, mais do que nunca, a tecnologia se mostra como fator fundamental para organizar todos os conhecimentos e alcançar soluções efetivas. Além de ferramenta de transformação de processos, sua implementação é um passo importante para proporcionar melhores condições de vida, criando oportunidades e caminhos em diversas áreas, como a saúde.
Severino Benner, CEO do Grupo Benner.