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Interferências regulatórias podem desequilibrar sistema de saúde e prejudicar usuários no longo prazo.

por Felipe Baeta
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Nos últimos dias, o texto do Projeto de Lei 7419/2006 que visa reformar os planos de saúde vem sendo amplamente debatido na Câmara dos Deputados e está trazendo diversas discussões à tona. Podemos considerar que a relação entre os consumidores e operadoras de saúde nunca foi das mais amistosas e, é importante levar em consideração que toda e qualquer mudança, seja buscando melhorias para uma ponta ou outra, geraria consequências em toda a cadeia envolvida, que carece de equilíbrio e incentivos corretos para operar de maneira sustentável. Isso, por si só, já é motivo de preocupação para todos os lados.

Para entender o cerne da questão, precisamos identificar onde os problemas começam. Essa relação conturbada tem origem em uma série de elementos conjunturais de mercado, no arcabouço regulatório confuso e interferências do poder judiciário sem consonância no órgão regulador, o que levou a inúmeras judicializações. Explico: de um lado temos o contrato da operadora, que prevê cláusulas específicas, de outro existe o arcabouço regulatório com pontos que, algumas vezes, contradizem esses contratos e geraram empecilhos em certas ocasiões.

Além disso, também temos o Poder Judiciário que cria mais um impasse nessa relação e a torna obscura. Quando digo uma relação obscura é pela falta de regras claras que, se apoiadas no contrato, muitas vezes ferem até questões regulatórias. Já, se apoiadas no arcabouço regulatório, acabam ferindo o entendimento do Poder Judiciário. Tornando-se, assim, uma relação historicamente complicada.

Não à toa, o índice de reclamação nessa relação é enorme. É importante lembrar que a saúde suplementar é um sistema com uma série de agentes com interesses distintos. O consumidor quer o melhor cuidado em saúde enquanto o órgão regulador tenta estabelecer normativas para isso, mas muitas vezes acaba criando implicações. As operadoras querem reduzir seu custo, que pode ser feito de duas maneiras: gerindo a saúde da população (vidas dentro dos planos) para que tenham uma condição melhor de saúde e isso tenha correlação direta com o uso dos recursos ou, uma segunda opção, cerceando o acesso de alguma maneira.

Com isso, temos o consumidor que quer atendimento, a operadora buscando reduzir custos a favor de margens operacionais e a rede de saúde (clínicas, hospitais, médicos independentes) que deseja otimizar seus honorários e as suas despesas. Por fim, considerando que o mercado de planos coletivos empresariais correspondem a mais de 75% da saúde suplementar, temos corretoras e as empresas, estas últimas fontes pagadoras do recurso.

Tendo em vista que, nesse sistema, são diversos agentes com interesses distintos e ainda um agente regulador tentando moderar essa situação – muitas vezes criando problemas ainda maiores -, é inevitável que qualquer mudança acabe afetando alguma das pontas.

Dentre as alterações previstas no texto, posso destacar, por exemplo, a possibilidade de regular os reajustes dos planos coletivos. A ANS já havia regulamentado os planos individuais, no entanto, os coletivos – seja por adesão ou empresarial – não são regulamentados. Hoje, teoricamente, existe uma liberalidade entre as partes para, de alguma maneira, criar as mecânicas de reajuste. Havia também uma expectativa de que o PL definiria que os reajustes dos coletivos fossem baseados num índice arbitrário da ANS e isso pode ser um perigo para as operadoras, a exemplo do que já foi feito para os individuais e familiares, que teve como consequência a interrupção da oferta desses produtos por parte das operadoras.

Outro exemplo é em relação à limitação das operadoras rescindir unilateralmente o contrato. Isso não tende a gerar um equilíbrio bom para o mercado, economicamente pensando. Como nos planos individuais isso já é realidade, nos coletivos empresariais uma alternativa seria educar alguns comportamentos da operadora a partir de uma normativa que delibere sobre esse assunto, mas seria preciso analisar melhor tanto essa medida quanto todas as outras. Todo o projeto é um texto ainda muito prematuro, existe muita discussão para chegar a uma redação final que seja a melhor para todos os lados. É um cenário bem complexo, mas dada a conjuntura, deveria ser considerado em algum momento, até para mostrar uma moderação a favor do equilíbrio do mercado, não apenas voltada ao consumidor.

As medidas propostas no PL podem até fazer bem ao consumidor no curto prazo, mas creio que criarão um desequilíbrio no mercado com potencial para gerar um prejuízo para o próprio beneficiário. Muito se ouve dizer que as operadoras são as grandes vilãs desse sistema, mas a realidade é muito complexa, todos tem uma parcela dessa culpa. Para se ter uma ideia, segundo dados da ANS, no primeiro trimestre de 2023, as operadoras deram um prejuízo operacional de R$1.7 bilhão. No acumulado dos últimos três anos, foram reportados R$ 7,4 bilhões em fraudes envolvendo planos de saúde, de acordo com a Associação das Empresas de Planos de Saúde. Resolver esses problemas do setor vai muito além de imputar medidas exclusivamente de proteção ao consumidor. É preciso olhar para a totalidade do sistema, para o bem de todos.

Por fim, reitero que o grande ponto a ser considerado neste projeto de lei deveria ser o equilíbrio. É extremamente relevante e louvável o intuito de proteger os usuários, mas também é preciso levar em consideração toda uma cadeia de pessoas e empresas que geram empregos, como clínicas, hospitais, corretoras e todos envolvidos no setor, que podem se prejudicar quando olhamos apenas para uma ponta. Além do próprio consumidor final que, a médio prazo, pode ser prejudicado com essas mudanças.

Felipe Baeta, CEO da Piwi.

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