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Estamos nos preparando para a era da Saúde Digital?

por Colaboradores
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Talvez uma das cenas cinematográficas que ficará marcada como daquelas antológicas nos filmes de ficção sobre nosso século digital é a do filme “Matrix” (lançado em 1999 pela Warner Bros.) aonde o personagem Morpheus oferece duas pílulas, uma vermelha e outra azul, para que Neo (personagem central da trilogia Matrix) escolhesse. Se você viu o filme (ou é fã da trilogia), sabe bem o contexto de tal escolha. Mas para os demais que não acompanham cinema e filmes de ficção, vale aqui uma breve explicação.

A pílula vermelha e seu oposto, a pílula azul, são um meme cultural popular, uma metáfora que representa a escolha entre: Uma vida de conhecimento cruel, liberdade desesperada e as verdades brutais da realidade (representada pela pílula vermelha) OU, uma vida de segurança luxuosa, felicidade tranquila e a ignorância feliz da ilusão (representada pela pílula azul). Qual você escolheria?

Bem, creio que essa analogia é muito útil para abordar o tema deste artigo: Estamos nos preparando para a era da Saúde Digital? Vamos escolher a “pílula vermelha” e viver uma ‘vida de conhecimento cruel e as verdades brutais’ da realidade de nossa Saúde Digital que será medida e vasculhada pelas novas tecnologias, OU a “pílula azul” e uma ‘vida de ignorância feliz na ilusão’ de que estamos bem, como tantos fazem hoje, até terem um problema sério de saúde?

Nos últimos dois anos tenho escrito dezenas de artigos sobre as inúmeras tecnologias digitais e suas aplicações na área da Saúde Digital. Termos novos que até bem recentemente não faziam parte de nosso vocabulário, como Inteligência Artificial, Machine Learning, Realidade Virtual, BIG DATA, Blockchain, Wearables, dentre outros, revelam que estamos adentrando em um campo completamente novo para o cidadão comum, como somos muitos de nós!

A saúde digital também afetará a relação médico-paciente. A partir dos anos 2000, como reação ao fato de a relação médico-paciente ter se tornado muito técnica e em grande parte impessoal, surgiu nos EUA um movimento de “humanização na medicina”, que prega a reaproximação do profissional com o paciente. Como consequência, diversas faculdades criaram disciplinas específicas para ensinar a boa conduta de um médico.

Nesta última semana vimos um típico caso de como um (não tão novo) avanço tecnológico, a Telemedicina, gerou discussão e conflito entre as sociedades médicas brasileiras e os conselhos regionais de médicos após o Conselho Federal de Medicina ter aprovado uma nova resolução que permite teleconsultas virtuais e outros serviços entre pacientes e seus médicos! Diante de uma grande reclamação dessas sociedades e dos conselhos regionais de medicina, o CFM se viu obrigado a revogar a recente resolução. Mas há o lado dos pacientes e usuários (como as empresas prestadoras de serviço e seguradoras) que tiveram reação imediata. Uma entidade nacional de prestadores de serviço de saúde chegou a comentar que “diante da evolução do mundo digital, “soa estranho” qualquer tentativa de frear a evolução. Afirmou ainda que a saúde a distância proporciona melhora de qualidade de vida dos pacientes, com economia de tempo para pacientes e prestadores de serviços.”

Será que os argumentos técnicos para tal revogação do CFM de uma resolução que está em discussão a vários anos foi somente motivada por preocupação com a segurança dos pacientes e ética/humanização da relação médico-paciente? Será despreparo dos profissionais diante de uma revolução no modelo de atendimento médico, da forma de remuneração ou mesmo da “proteção de mercado” tão comum quando vemos disrupções tecnológicas (podemos lembrar do que aconteceu recentemente quando o Uber chegou no Brasil, com a reação dos taxistas). Bem, teremos de esperar para ver, mas certamente “soa estranho”.

Um outro aspecto que devemos considerar é a mudança de cultura da população diante da chegada de novas tecnologias. Vimos como nossos hábitos mudaram com a popularização dos aparelhos de telefonia móvel desde a década de 1990, e muito recente a nova onda de hábitos com o crescimento dos smartphones. Temos aparelhos que não precisam mais fazer chamadas telefônicas, pois com o WhatsApp basta gravar áudio e mandar textos! Continuamos nos comunicando, só que diferentemente!

O fato é que atualmente estamos numa sociedade que não se desliga nunca da internet e de seus aparelhos celulares. A revista Time na edição de 11 de setembro de 2014 trouxe a capa abaixo – “Nunca Desligado (Never Offline)”. O artigo na ocasião deu destaque ao lançamento global do Apple Watch (hoje o modelo de relógio de maior venda mundial). O editorial dizia: “O Apple Watch é apenas o começo. Como a tecnologia vestível vai mudar sua vida – goste ou não.” Após cinco anos, podemos dizer que eles tinham razão!

Estamos mais conectados do que nunca. Geramos mais dados sobre nós do que em séculos passados juntos! Podemos hoje com os recursos tecnológicos disponíveis e os que estão para chegar, monitorar uma variedade enorme de parâmetros fisiológicos, comportamentais e emocionais de cada ser humano que estão conectados de alguma forma a essa grande rede digital de dados que é a internet. Mas será que temos noção do que está REALMENTE acontecendo? Questões de proteção dos dados individuais, invasão de privacidade, cibersegurança, interoperabilidade, cultura digital inclusiva para população (para não gerarmos uma nova classe de excluídos digitais), etc., estão na pauta do dia.

Bem, poderia seguir discutindo esse assunto por parágrafos a fio…vamos deixar isso para outros artigos. Mas uma coisa é certa: cada vez mais cedo estamos nos tornando peças desta engrenagem do mundo digital, em grande medida sem estarmos devidamente preparados para isso. Sem uma identidade digital parece que não somos hoje um verdadeiro cidadão, não sente isso? Talvez nos perguntem: “Qual seu Facebook, Instagram, LinkedIn, e-mail…?”, antes de nos pedirem o nosso RG (que será 100% digital também muito em breve).

Crianças já nascem no Brasil com CPF digital, registros de certidão de nascimento no Blockchain, apólices de seguro saúde eletrônicas e sabe-se lá mais o que irão criar digitalmente.

Sim, parece que a vida real não está tão distante do filme “Matrix”! Nascemos e vivemos “plugados” no mundo digital. Por isso, nesta questão essencial da Saúde Digital, que determinará muito do nosso presente e futuro quando tivermos Exabytes de dados (Big Data) sobre nosso DNA, exames laboratoriais, imagens clínicas e informações de nosso histórico médico do prontuário eletrônico registrados no Blockchain e nossos dados vindos dos wearables e smartphones que usamos, todos estes sendo analisados por computadores com Inteligência Artificial sofisticada e aprendizado exponencial das máquinas (machine learning e deep learning), estarmos nos preparando HOJE é mandatório.

Mas como conseguir educar e preparar em massa as pessoas sobre essa nova era da Saúde Digital? Vou abordar isso no próximo artigo.

Por enquanto, “Bem-vindo a Matrix!”

Guilherme Rabello responde pela Gerencia Comercial e Inteligência de Mercado do InovaInCor – InCor / Fundação Zerbini (grabello.inovaincor@zerbini.org.br). Membro do Comitê Executivo de Inovação no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. Atua como consultor, palestrante e escreve artigos sobre inovação, tecnologia e negócios.

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