O avanço da inteligência artificial na saúde esbarra em dilemas éticos que não podem ser ignorados. Diante da era da medicina digital, o grande desafio é certificar que as novas tecnologias sirvam à humanidade, sem substituir o julgamento clínico e mantendo a privacidade ou a confiança do paciente.
Em 2024, o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) realizou uma pesquisa que revelou que quase 17% dos médicos no Brasil fazem uso da Inteligência Artificial (IA) Generativa em suas práticas. Esse indicador demonstra como essas soluções estão se tornando onipresentes na rotina médica.
Os benefícios práticos da IA na saúde já são diversos. Ferramentas baseadas em machine learning (tecnologia que permite aos computadores aprenderem a partir de dados e melhorarem de forma autônoma) têm sido aplicadas no diagnóstico precoce de doenças e identificação de padrões entre genes, doenças e tratamentos, com uma precisão que supera métodos tradicionais. Sistemas de apoio à decisão clínica auxiliam os médicos na interpretação de exames, na sugestão de tratamentos e na prevenção de erros.
Outro avanço importante é a medicina personalizada. Com a ajuda da IA, é possível cruzar dados genéticos, históricos clínicos e estilo de vida para oferecer tratamentos sob medida para cada paciente. A IA também contribui para otimizar processos administrativos, reduzir filas, prever demandas em hospitais e liberar profissionais de tarefas repetitivas, sempre com maior foco no cuidado ao paciente.
Privacidade, viés e responsabilidade
Por outro lado, a incorporação da IA na saúde traz questões éticas, como comentei acima. A primeira diz respeito à privacidade dos dados. O treinamento de algoritmos depende de grandes volumes de informações sensíveis e a proteção desses dados é necessária para evitar vazamentos e usos indevidos.
Outro ponto crítico é o viés algorítmico. Se os dados usados para treinar sistemas de IA forem desequilibrados ou representarem apenas parte da população, o resultado pode ser um tratamento desigual, com diagnósticos ou decisões mais imprecisas para certos grupos, como mulheres ou populações de baixa renda.
Há também um debate sobre quem é responsável por decisões baseadas em IA. Se um sistema recomendar um tratamento que cause dano, a culpa é do médico, do desenvolvedor do algoritmo, do hospital ou da IA? A legislação atual ainda busca respostas para essas novas situações.
Caminhos para um uso ético
A solução não está em desacelerar a inovação, mas sim em colocar a ética no centro do desenvolvimento tecnológico. Isso passa por desenvolver algoritmos transparentes e auditáveis, garantir diversidade nos dados utilizados para evitar viés, proteger a privacidade dos pacientes e estabelecer regulações claras sobre uso, responsabilidade e limites da IA na saúde.
A inteligência artificial tem o potencial de revolucionar o sistema de saúde, tornando-o mais eficiente, acessível e personalizado. Mas, seu sucesso depende da capacidade de enfrentar os desafios éticos com seriedade. Em um campo tão sensível quanto a medicina, garantir a confiança e a segurança de pacientes e profissionais de saúde é tão importante quanto a inovação.
A era da medicina digital já começou. Agora, o desafio é implementá-la com ética e eficácia.
Solano Todeschini, médico, especialista em Inteligência Artificial aplicada à saúde e fundador da Voa Health, plataforma que usa IA para otimizar o trabalho clínico e aliviar a sobrecarga dos profissionais de saúde.
