sexta-feira, agosto 1, 2025
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Cirurgia robótica: robô operando sozinho com IA redesenhando a medicina

por Dr. Marcon Censoni de Ávila e Lima
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Em julho de 2025, pesquisadores das universidades de Johns Hopkins e Stanford, nos Estados Unidos, deram um passo decisivo na história da cirurgia. Pela primeira vez, um robô equipado com inteligência artificial realizou uma cirurgia completa de colecistectomia de forma autônoma, ou seja, sem controle humano direto. O procedimento foi realizado em tecido humano real fora do corpo (ex vivo), em ambiente laboratorial altamente controlado.

O robô, chamado SRT-H, foi capaz de identificar estruturas anatômicas, dissecar, posicionar clipes e realizar cortes com precisão milimétrica, inclusive corrigindo seus próprios erros durante o processo. A IA foi treinada com milhares de vídeos de cirurgias humanas, linguagem natural e simulações anatômicas. O feito, publicado na Science Robotics, não envolveu pacientes vivos, mas representa um marco técnico, simbólico e ético: o início da era da cirurgia autônoma com IA decisória.

Uma virada histórica

O avanço atual é resultado de uma trajetória de décadas. A cirurgia robótica teve início nos anos 1980 com os sistemas PUMA 560 (neurocirurgia), ROBODOC (ortopedia) e PROBOT (urologia). Em 2000, o sistema da Vinci foi aprovado pelo FDA e passou a ser amplamente utilizado em procedimentos minimamente invasivos com o controle direto de cirurgiões.

No Brasil, a primeira cirurgia robótica ocorreu em 2008. Desde então, o número de plataformas robóticas cresceu substancialmente no setor público e privado, especialmente em centros de referência nas áreas de urologia, ginecologia, coloproctologia e cirurgia geral. Em 2023, mais de 150 sistemas da Vinci estavam em operação no país.

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Até hoje, todos os sistemas em uso requerem comando humano direto. O avanço de julho de 2025, portanto, inaugura um novo paradigma.

Do laboratório ao centro cirúrgico

Importa sublinhar: a cirurgia autônoma ainda não chegou aos pacientes vivos. O procedimento com o SRT-H foi realizado fora do corpo, sem variáveis como sangramentos, respostas fisiológicas, intercorrências clínicas ou instabilidade hemodinâmica. Ainda assim, o resultado alcançado mostra que a IA já é capaz de executar tarefas complexas, com tomada de decisão intraoperatória e autoavaliação de desempenho.

No curto e médio prazo, espera-se que esse tipo de tecnologia seja incorporado de forma híbrida — como assistente ou copiloto em cirurgias comandadas por humanos. A médio e longo prazo, cirurgias autônomas poderão ser aplicadas em centros remotos, locais com escassez de especialistas ou em procedimentos de repetição com baixo risco.

Testemunha de uma revolução

Tive a oportunidade de acompanhar o início dessa jornada de perto. Em 2002, como residente em cirurgia digestiva, participei da segunda cirurgia robótica transmitida por fibra óptica no mundo, realizada no IRCAD/EITS em Strasbourg, sob a liderança do professor Jacques Marescaux. Um ano antes, Marescaux já havia feito história com a primeira telecirurgia transatlântica, operando uma paciente em Nova York a partir da França.

Naquela época, falava-se em conexão de alta velocidade, robôs como extensões da mão humana e até IA rudimentar. Hoje, o que era especulação se transforma em prática, ainda que em ambiente controlado. E o Brasil, que já foi um dos pioneiros na adoção da cirurgia minimamente invasiva, pode ocupar posição estratégica na transição para essa nova fase.

Entre a ética e a tecnologia

O avanço da cirurgia robótica autônoma exige reflexão profunda. Quem será responsável em caso de erro? O programador? O hospital? O fabricante? O cirurgião que supervisionava o procedimento? Como se dará a validação ética, jurídica e científica de robôs com capacidade decisória?

Ao mesmo tempo, não se pode ignorar os potenciais benefícios: redução de falhas humanas, maior padronização de técnicas, apoio em regiões com menor acesso médico e decisões com base em dados de alta precisão.

A medicina será, cada vez mais, um campo híbrido entre ciência, algoritmo e sensibilidade humana. A IA não substitui o médico — mas modifica sua função, deslocando-o para o centro do raciocínio clínico, da supervisão ética e da humanização do cuidado.

Conclusão/

Estamos apenas no início da era da cirurgia com inteligência artificial autônoma. O procedimento realizado em julho de 2025 é um aviso claro: a IA não está mais apenas nos consultórios, aplicativos ou diagnósticos. Ela entrou no centro cirúrgico. Cabe a nós, médicos e sociedade, conduzir essa transformação com rigor técnico, responsabilidade e foco no paciente.

Dr. Marcon Censoni de Ávila e Lima, médico há 26 anos, MBA Executivo em saúde, especialista em transformação digital em saúde – Harvard, membro do corpo clínico do hospital Albert Einstein , Sírio Libanês  e AC Camargo Câncer Center.

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