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Ética na saúde: o papel da autorregulação para a transparência do mercado

por Carlos Eduardo Gouvêa
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Há oito anos, um movimento voluntário de empresas liderado pela Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Produtos para Saúde (Abraidi)  e o Instituto Ethos culminou com a assinatura do “Acordo Setorial – Importadores, Distribuidores e Fabricantes de Dispositivos Médicos”, que hoje tem personalidade jurídica própria. O Instituto Ética Saúde (IES) foi o primeiro passo na busca da integridade do setor de saúde, com a proposta de uma ação coordenada, que pudesse, ao mesmo tempo, apurar eventuais desvios de conduta e ilegalidades na cadeia de valor de saúde — ao dar voz para que os elementos mais frágeis pudessem denunciar —, além de trabalhar incessantemente para levar informação e educação a todos, para que se promova de fato uma mudança profunda na sociedade.

Com o propósito claro de lutar pela promoção de um ambiente de negócios mais ético na saúde no Brasil, o Instituto Ética Saúde é hoje uma sólida instituição, totalmente independente, que representa e traduz o anseio de todos os atores da cadeia de valor de Saúde que repudiam e combatem as práticas antiéticas e oportunistas.

Ao buscar a sustentabilidade do sistema, o IES tem crescido ao contar com um sistema de governança bem estruturado: conselho de administração eleito entre os quase 200 associados (fabricantes, distribuidores, hospitais, laboratórios, dentre outros), conselho consultivo (constituído por entidades representativas dos diferentes elos da cadeia de valor) e conselho de ética (composto por pessoas de destaque no terceiro setor e com notório saber, sem conflito de interesse).

Um dos grandes benefícios do IES foi conseguir trazer as várias entidades do setor que, com a experiência e conhecimento do seu próprio mercado, conseguem identificar os maiores riscos para a manutenção da integridade. A partir desta avaliação de riscos, é então possível propor instruções normativas que, como um grande instrumento de autorregulação desse mercado, ajudam a mitigar tais riscos e promover os necessários ajustes de curso. Além disto, como conselheiros, ajudam a nortear as ações do IES.

Aliás, como entidade de autorregulação, o instituto traz a possibilidade de rapidamente responder a novos desafios que se impõem ao correto e transparente funcionamento do mercado, seja por meio das informações de distorções e desvios de conduta que recebe por seu Canal de Denúncias ou por informações coletadas em grupos formais para levantamento de riscos ou revisão periódica de suas instruções normativas (INs).

A matéria prima para novas INs não vem apenas de denúncias. Por viverem a realidade do setor em seu dia a dia, as entidades representativas dos segmentos acompanham muito de perto o que acontece naquele elo específico da cadeia e podem trazer uma imagem dos principais problemas. Assim como tem sido feito por diferentes segmentos, o grupo de trabalho constituído pelo IES para levantamento de riscos no setor de prestadores de serviços em saúde, apontou alguns desvios muito comuns ainda hoje e que merecem uma atenção por parte de todos para a eliminação ou mitigação, tornando assim o ambiente mais competitivo e justo.

O levantamento de riscos existentes (risk assessment), feito sempre com os especialistas do segmento analisado, traz um panorama do que existe de ilicitude e desvio de conduta e que, infelizmente, acaba impactando negativamente para a economia (já que tira a necessária competitividade dos atores íntegros, além de lesar o Fisco), para o paciente (que nem sempre tem acesso ao produto de que realmente necessita) e até mesmo para os colaboradores. Por esta razão, as revisões dos riscos têm que ser feitas periodicamente, de tal forma que as INs sejam uma resposta correta e atual para os riscos existentes naquele momento.

A rapidez, portanto, de enfrentamento a um determinado risco levantado é muito maior através de uma organização de autorregulação. No caso do IES, após o levantamento de riscos pelo setor é feita uma compilação com o arquivo de denúncias já recebidas pelo Canal apropriado, para se poder priorizar os temas. A seguir, a conselho de ética fica responsável por editar uma Instrução Normativa que trate dos pontos a serem mitigados.

A efetividade desta resposta é dada por dois principais mecanismos: a) efeito vinculante das INs a todos os associados ao IES, por força de seu estatuto; e b) por força do seu reconhecimento setorial, tornando a IN referência – mesmo para não associados – que estejam sob uma auditoria, por exemplo.

Instrução Normativa nº 16/2022 

Graças ao levantamento de riscos comentado acima, foi possível ao conselho de ética do IES, depois de muita análise e discussão, publicar em 23/09/2022 a Instrução Normativa nº 16, que “adota e fomenta procedimentos para a adequada gestão dos riscos à transparência tributária e ética concorrencial relativos à aquisição e controle de produtos médicos e prestação de serviços, de modo a desencorajar a retenção desleal de faturamento e dá outras providências”.

Tal IN tratou de questões cruciais para a sustentabilidade da Saúde, nunca abordadas abertamente, como a contratação e controle dos produtos médicos, o dever de transparência tributária e concorrencial, dever de informar, dentre outros. A prática encontrada com bastante frequência de atrasar ou reter faturamento por parte do prestador de serviço, por exemplo, provoca um completo desequilíbrio no sistema de saúde, prejudicando toda a cadeia de suprimento.

Assim, em tal IN foram previstas regras (ou reforçadas aquelas já existentes) para tratar de temas como comodato ou consignação e sua necessária formalização, emissão tempestiva de documento fiscal para transporte e para faturamento, após a baixa de consignação, eliminação dos atrasos ou retenções de faturamento se não forem devidamente motivados.

A IN tem como objetivo reforçar todas as ações já realizadas pelo IES e seus associados, a fim de:

  1. Prevenir fraudes e ilícitos na aquisição de produtos médicos, na prestação de serviços, na emissão de notas fiscais e documentos equivalentes e no pagamento de faturamento;
  2. Assegurar a pronta interrupção de irregularidades ou infrações, consumadas ou tentadas e a tempestiva remediação em face da criação artificial de vantagens competitivas independente de dano à Fazenda Pública.

Deve-se notar que esse grande movimento conduzido pelo IES, ao unir toda a cadeia de valor de saúde em um grande esforço para provocar uma mudança irreversível, é único e merece todo o nosso apoio. A transparência e a difusão de boas práticas nos negócios, reforçando a importância dos Programas de Integridade e sua implementação urgente, são essenciais para avançarmos ainda mais. O Modelo de Autorregulação é uma excelente alternativa para fazermos frente aos desafios impostos pela corrupção e desvios de integridade!

Além do mais, o apoio a tantas outras iniciativas exemplares, principalmente em termos de educação e conscientização, lideradas por instituições como o UNODC, FGVethics, INAC – Instituto Não Aceito Corrupção, apenas para citar algumas, é essencial. Vamos juntos provocar esta grande mudança geracional. Apenas dessa forma, ela será perene.

Afinal, temos de lembrar sempre que ética não é moda! Ética é saúde!

Carlos Eduardo Gouvêa, diretor de relações institucionais do Instituto Ética Saúde.

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