No próximo dia 12, será celebrado o décimo aniversário do início da Copa do Mundo de Futebol da FIFA, realizada no Brasil em 2014. Durante a cerimônia de abertura, um jovem paraplégico brasileiro, Juliano Pinto, portador de lesão medular torácica alta e completa por 9 anos, deu o chute inaugural usando um exoesqueleto robótico de membros inferiores controlado diretamente pela atividade elétrica do cérebro, através do uso de uma interface cérebro-máquina totalmente não invasiva. Esta demonstração foi vista por mais de 1,2 bilhão de pessoas ao redor do mundo e marcou a primeira apresentação pública bem-sucedida desta tecnologia, criada pelo médico e pesquisador brasileiro Miguel Nicolelis.
Além de Juliano, mais 7 pacientes com lesões medulares completas participaram do estudo clínico inicial do Projeto Andar de Novo, desenvolvido e acompanhado por Dr. Nicolelis. Todos eles reaprenderam a andar usando o exoesqueleto robótico durante o período de treinamento, que aconteceu nos 6 meses que antecederam o campeonato mundial. Cada participante foi capaz de caminhar com este sistema sob o controle dos próprios cérebros.
Logo após a competição, uma análise clínica detalhada destes pacientes revelou que todos haviam tido uma recuperação neurológica parcial, um resultado sem precedentes em pessoas com lesões medulares completas. Esta recuperação proporcionou a habilidade de contrair parcialmente os músculos dos membros inferiores de forma voluntária, e alguns casos voltaram a caminhar de forma autônoma com auxílio de andadores e outras tecnologias não invasivas.
Também possibilitou o retorno de sensações táteis e proprioceptivas provenientes dos membros inferiores (capacidade de sentir a força exercida pelos próprios músculos), e a recuperação de funções nervosas viscerais essenciais, como por exemplo, o controle da bexiga. Dado o resultado desta melhora, todos os 7 pacientes que permaneceram sendo reabilitados pelo Projeto depois da Copa, deixaram de ser paraplégicos completos e passaram a ser classificados como paraplégicos parciais, de acordo com a escala ASIA americana.
Mas de dez anos pra cá, o que mudou?
“O Projeto Andar de Novo recebeu vários prêmios internacionais e estabeleceu parcerias com alguns dos maiores hospitais da Europa e Ásia. Isso resultou no estabelecimento de novos laboratórios e centros de neuroreabilitação no continente europeu e asiático em colaboração com a AASDAP (Associação Alberto Santos Dumont Para o Apoio à Pesquisa). Um desses estudos clínicos inclusive já reproduziu as decorrências clínicas originais do Projeto”, conta Nicolelis.
Como resultado do sucesso da tecnologia usada no chute inicial, uma terceira geração de exoesqueleto controlado por uma interface cérebro-máquina foi desenvolvida. Este sistema não invasivo de baixo custo está em processo de produção e será introduzido para pesquisa e uso clínico no Brasil e em outros países.
“Esse chute da Copa do Mundo realizado pelo Projeto Andar de Novo foi financiado pela FINEP, órgão público federal de fomento científico. A repercussão mundial obtida foi a maior e jamais experimentada por um projeto financiado pela agência pública”, reforça Nicolelis.
Dado o sucesso dessa iniciativa, em 2023 a AASDAP lançou um novo projeto, intitulado “Treat 1 Billion” – Tratar 1 Bilhão – que visa utilizar novas terapias e protocolos de neuroreabilitação, baseadas no emprego de interfaces cérebro-máquina não invasivas, no tratamento de uma série de doenças neurológicas e psiquiátricas, como doença de Parkinson, epilepsia crônica que não responde à tratamento medicamentoso, e depressão crônica. O Projeto Treat 1 Billion é liderado pelo Nicolelis Institute for Advanced Brain Studies em parceria com instituições de pesquisa e atendimento médico no Brasil e no exterior.