A saúde moderna enfrenta um de seus maiores paradoxos: nunca geramos tantos dados, mas, ao mesmo tempo, nunca foi tão difícil utilizá-los de forma integrada e com impacto. Informações valiosas sobre os pacientes estão espalhadas entre prontuários eletrônicos, exames de imagem, prescrições médicas, dispositivos wearables e sistemas administrativos. Esses dados estão confinados em silos de informação — sistemas isolados que não se comunicam adequadamente. Essa fragmentação compromete o cuidado ao paciente, aumenta os custos e cria ineficiências que impactam toda a cadeia de valor da saúde.
Historicamente, o setor tem lutado para superar esse desafio. Esforços para implementar padrões de interoperabilidade e conectar diferentes sistemas já demonstraram avanços, mas os resultados ainda estão longe de um cenário ideal. Os dados de saúde são complexos, variados e muitas vezes desestruturados, o que torna a integração uma tarefa monumental. Além disso, existem barreiras técnicas, regulatórias e comerciais que dificultam ainda mais a criação de um sistema de saúde verdadeiramente integrado.
No entanto, uma nova era pode estar começando, impulsionada pela inteligência artificial (IA) generativa. Essa tecnologia tem o potencial de redefinir a forma como lidamos com os dados na saúde, oferecendo caminhos para superar as barreiras que há décadas travam o setor. Ao contrário de abordagens tradicionais, que exigem a padronização e estruturação rigorosa dos dados, a IA generativa tem a capacidade de interpretar informações heterogêneas de maneira contextual, independentemente de seu formato ou origem.
Imagine um sistema em que anotações médicas escritas em texto livre, exames de imagem, relatórios laboratoriais e dados de dispositivos wearables possam ser analisados e traduzidos automaticamente em informações úteis e acionáveis. A IA generativa pode interpretar esses diferentes tipos de dados, conectá-los e transformá-los em insights que ajudem médicos, gestores e pacientes. Ela pode preencher lacunas nos conjuntos de dados, identificar padrões complexos e até criar previsões baseadas em informações aparentemente desconexas. Isso não apenas acelera o processo de integração, mas também reduz a necessidade de intervenções manuais e sistemas altamente especializados.
Além disso, a IA generativa pode desempenhar um papel fundamental na personalização do cuidado ao paciente. Ao integrar dados de diferentes fontes, é possível construir um panorama mais completo e detalhado de cada indivíduo, permitindo decisões clínicas mais estruturadas e eficazes. A capacidade de cruzar informações em tempo real pode, por exemplo, alertar médicos sobre interações medicamentosas perigosas ou sugerir protocolos de tratamento baseados em casos semelhantes.
Mas não podemos nos enganar: a adoção dessa tecnologia em larga escala traz desafios que vão além da técnica. A segurança e a privacidade dos dados são preocupações legítimas que devem estar no centro de qualquer iniciativa de integração. Além disso, é essencial que as soluções sejam desenvolvidas de forma ética e inclusiva, garantindo que não aumentem desigualdades existentes no acesso à saúde. A governança dos dados será um ponto crucial para que possamos aproveitar os benefícios da IA sem comprometer a confiança no sistema de saúde.
O fim dos silos de informação na saúde não será alcançado apenas com tecnologia, mas também com colaboração. Médicos, hospitais, operadoras, governos e empresas de tecnologia precisam trabalhar juntos para criar um ecossistema de dados verdadeiramente integrado. A inteligência artificial generativa não é uma solução mágica, mas é uma ferramenta poderosa que pode nos ajudar a chegar mais perto desse objetivo.
Estamos diante de uma oportunidade única de transformar os sistemas de saúde em ecossistemas inteligentes, conectados e centrados no paciente. O avanço da IA generativa nos oferece a possibilidade de redesenhar processos e criar soluções que antes eram inimagináveis. O momento de agir é agora — e o futuro da saúde pode depender do quão bem conseguirmos integrar e utilizar os dados disponíveis.
Emerson Gasparetto, executivo em saúde e advisor da healthtech Nilo, é graduado em Medicina pela UFPR, especialista em Neurorradiologia, tem mestrado e doutorado pela UFRJ, além de passagens por instituições como a University of Pennsylvania e Harvard Business School.