Na semana em que se comemorou o Dia Mundial da Saúde, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) revelou que o plano de ação desenvolvido na Estratégia de Saúde Digital estima que a integração dos dados necessária para o avanço do modelo Open Health no Brasil deve acontecer até 2028. As razões para este prazo significativamente longo passam desde as dificuldades de padronização e interoperabilidade para a troca de informações entre os sistemas públicos e privados, até a necessidade de adequação às exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Mas enquanto isso, as startups saem na frente desbravando as vantagens do sistema aberto em soluções de atendimento ao paciente via chatbots e concentração de dados, por exemplo.
“A área da saúde é muito crítica principalmente quando envolve o tratamento de dados. Primeiro porque a grande maioria é caracterizada como sensível. Outro ponto é que muitos titulares estão numa situação de vulnerabilidade, inclusive, jurídica. Além disso, é um setor altamente regulado”, afirma a sócia da DeServ Academy, Bruna Fabiane da Silva.
Segundo a especialista, eleita no final do ano passado uma das 50 Melhores Mulheres em Segurança Cibernética das Américas pela WOMCY (LATAM Women in Cybersecurity), qualquer movimentação precisa atender várias normas, seja da Anvisa, agenda da ANS e do Conselho Federal de Medicina, além da adoção de práticas de proteção de dados. “São muitas normas específicas e há uma grande quantidade de dados a serem armazenados durante um tempo de permanência muito longo”, acrescenta.
O App Bonsai, criado em 2020 pelo empreendedor Oscar Faria e pelo empresário Marcos Gomes, é um caso que demonstra o potencial para melhorar a eficiência da saúde utilizando princípios do Open Health. Na prática, ele devolve ao paciente o controle de seus dados que, no modelo tradicional, costumam ficar esquecidos em pastas, nos consultórios médicos ou mesmo espalhados nos portais de cada laboratório, dos quais ninguém lembra as senhas.
“Acredito muito no Bonsai como uma poderosa ferramenta de administração da saúde da família. Ele permitirá, através de seu desenvolvimento, a forte inclusão de inteligência artificial, o acompanhamento dos diagnósticos, tratamentos e evoluções das etapas da vida humana. Poderemos desde controlar o período menstrual/fértil como acompanhar nossos avós remotamente. Todos os exames, todos os prazos, todas as recomendações em um único lugar” afirma o empresário João Renato Côrtes de Barros Silveira, da Starlab, empresa de diagnósticos médicos do Rio de Janeiro, que acaba de adquirir o aplicativo.
Com a operação, o laboratório projeta expandir o alcance do App dos atuais 10 mil para mais de 1 milhão de usuários no próximo ano, com novas integrações em negociação. Os planos também incluem agregar funcionalidades de inteligência artificial à experiência, com sugestões customizadas de cuidado preventivo e serviço concierge para marcação de exames.
Tecnologia aumenta receita
Outra tendência de investimentos do setor é a automatização do atendimento a pacientes que, inclusive, ameniza um problema recorrente das instituições de saúde: a taxa de não comparecimento (no-show). Dados de um levantamento feito pela Botdesigner, healthtech especializada no desenvolvimento de soluções de Chatbots Omnichannel para o segmento, mostram que hoje a taxa de no-show fica, em média, em 20% ao mês, o que por si só representa uma receita 20% menor aos cerca de 4.666 hospitais privados brasileiros.
Em hospitais de médio porte, com cerca de 70 médicos em seu corpo clínico e que cobram, em média, R$ 80 por atendimento, o cenário é desafiador. Por mês, são realizados, aproximadamente, 20 mil agendamentos, de acordo com a Botdesigner. Sem uso de tecnologia de confirmação, a taxa de não comparecimento fica em 22%, o que pode gerar uma perda de receita mensal de R$ 352.000,00 e anual de R$ 4.224.000,00.
“O amplo uso de tecnologias que envolvem a IA para reduzir o percentual de não comparecimento, por si só provocaria um forte crescimento dos ganhos do setor ao reduzir esse problema crônico nos hospitais, clínicas e laboratórios”, ressalta Frederico de Souza, CEO da Botdesigner.
O levantamento da startup mostrou que, com a utilização de um sistema de confirmação automatizada, seja por Whatsapp ou ligação telefônica, a taxa mensal de no-show de pacientes pode ser reduzida pela metade, diminuindo perdas de receita no balanço anual. No mesmo perfil de hospital analisado, após a adoção da confirmação automatizada, a taxa de não comparecimento caiu para 11%, sendo 2.200 faltas. A perda de receita mensal fica em R$ 176.000,00 e o anual em R$ 2.112.000,00.
Combate aos vazamentos
O uso da tecnologia também acaba por minimizar, inclusive, o risco do vazamento de dados, pois reduz o acesso dos colaboradores a informações críticas que acabam quebrando o sigilo. A gestão das pessoas é o maior dos desafios e tem levado a investimentos no treinamento dos colaboradores, demanda sentida pela DeServ.
“Muitas pessoas acabam acessando as informações de um determinado paciente ou de um titular de dados, o que abre margem para a quebra da confidencialidade. Este cenário aumenta a demanda por treinamentos daqueles que lidam com os dados sensíveis. Muitas vezes, não é que houve a quebra de alguma informação que estava em algum sistema ou erro de algum controle técnico de segurança, mas uma vulnerabilidade humana que acaba vazando informações sobre determinado paciente como fofoca mesmo”, explica Fabiane.