Com a divisão do país em relação a muitos temas fundamentais para o futuro, e buscando contribuir para o debate sobre os desafios sociais que atualmente surgem no Brasil, o Medscape realizou um levantamento para identificar as questões sociais que mais preocupam a comunidade médica brasileira. A pesquisa, realizada entre 9 de agosto e 15 de junho de 2022, contou com a participação de 652 médicos, de 41 especialidades, ativos no Brasil.
A pesquisa discutiu tópicos desde violência doméstica até mudança climática, direitos reprodutivos, desigualdades raciais, direitos LGBTQIA+, acesso à saúde, controle de armas e dependência química. Para 95% dos médicos brasileiros, a falta de acesso dos pacientes a cuidados médicos é uma das principais questões sociais. A pandemia de Covid-19 tem sobrecarregado ainda mais os sistemas de saúde, que já estavam sob forte pressão. Para 81% dos entrevistados, a violência doméstica é também uma das questões que preocupam.
“O reconhecimento da importância deste problema muito grave é um progresso muito importante que ecoa as mudanças que vêm ocorrendo na sociedade brasileira”, disse ao Medscape Gonzalo Vecina, médico e professor da Fundação Getúlio Vargas e da Escola de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP).
A pesquisa também investigou o impacto das questões sociais abordadas na vida privada dos médicos e 40% disseram que a dificuldade de acesso a cuidados de saúde tem um impacto em suas vidas pessoais. Entre as razões apresentadas para a dificuldade crescente no acesso, a falta de investimento público veio em primeiro lugar, com 59%, seguida pela deterioração da gestão dos cuidados com (25%) e pela escassez de médicos e profissionais de saúde em geral (4%).
A maioria dos entrevistados, 62%, também apontou uma redução na qualidade dos cuidados médicos. Entre todos os participantes do estudo, dois em cada dez observaram situações de desigualdade racial em seu local de trabalho no que diz respeito ao tratamento dos funcionários. A proporção foi semelhante em relação ao tratamento dado aos pacientes, no qual 17% das manifestações de racismo foram identificadas. Cerca de 10% disseram não ter certeza se testemunharam ou não alguma circunstância associada a desigualdades raciais. Entre os participantes da pesquisa, 11% se declararam negros ou pardos, 82% brancos, 1% indígenas, 2% asiáticos, 3% outros e 2% não quiseram responder.
Entre os participantes, 39% veem desigualdades no atendimento de pacientes LGBTQIA+, 49% disseram ter testemunhado tais situações e 12% disseram não ter opinião sobre a questão da desigualdade no atendimento desta população. De acordo com Sidney Glina, médico e professor de urologia da Faculdade de Medicina do Centro Universitário do ABC, a maioria dos médicos não tem a preparação necessária para tratar os pacientes LGBTQIA+. “A legislação brasileira evoluiu muito neste sentido, mas é necessário que os médicos se atualizem e estudem as especificidades da saúde desta população.” Não estamos treinados na faculdade para trabalhar com sexualidade, e tivemos uma educação machista. Tudo isso precisa mudar e há um longo caminho a percorrer”, disse Glina, um dos criadores da clínica de medicina reprodutiva Pluris, focada na assistência à população LGBTQIA+.
Dos participantes, 97% são médicos e 3% são médicos residentes; 58% são homens, 28% têm entre 55 e 64 anos e 28% têm mais de 65 anos; 23% trabalham em um hospital e 21% têm uma prática individual de consultório.