Retificação de edital do MEC para a criação de novos cursos de medicina é essencial para garantir o acesso à saúde por parte da população brasileira

O Ministério da Educação (MEC) revogou a suspensão da tramitação dos processos administrativos de autorização para novos cursos de medicina que já estavam em andamento, que tramitavam por força de decisão judicial com base no entendimento do STF, no âmbito do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n.º 81. Com a publicação da Portaria 421/2023, o MEC reparou alguns danos provocados pela Portaria n.º 973/2023 em relação às instituições de ensino. Ainda é preciso verificar questões práticas como os custos ao erário envolvendo profissionais que viajaram para realizar as avaliações dos cursos de medicina e que foram surpreendidos com as suspensões ocasionadas pela Portaria nº 397/2023.

Com essa revogação e à espera do julgamento do STF que vai determinar a partir de qual etapa os cursos de medicina, amparados por decisão judicial, poderão seguir seus processos (até agora o julgamento está empatado em 2×2 e o ministro André Mendonça pediu vistas do processo), as atenções se voltam para o novo edital de chamamento público no âmbito do Programa Mais Médicos publicado pelo MEC em 4 de outubro.

O edital, assim como outros editais anteriores, continua a provocar injustiças diversas para as instituições de ensino por todo o país, em especial, para as pequenas instituições. O texto prevê que são quatro as etapas para as avalições dos cursos de medicina: análise de admissibilidade, análise de capacidade econômico-financeira da mantenedora, análise de mérito da proposta e análise de experiência regulatória. Enquanto os três primeiros pontos consideram aspectos técnicos que podem ser obtidos por instituições de todos os portes, o último fator, que é um critério de desempate, revela uma grande desigualdade.

Afinal, coloca como decisivas as indicações de até três cursos de medicina que a instituição já possua (beneficiando apenas as mantenedoras que já possuem cursos de medicina), além da existência de programas de mestrado e doutorado na área da saúde e de programas de residência médica. Em especial, apenas os grandes grupos educacionais se beneficiarão desses critérios. Isso desfavorece as pequenas instituições de ensino e é bastante prejudicial para o princípio da Livre Concorrência.

O edital possui ainda diversas outras inconsistências ou pontos que precisam ser esclarecidos, como a falta de especificação em relação à que penalidade poderia impedir a participação de uma mantenedora; a falta de estudos e dados que justifiquem a presença de 60 vagas por curso; a ausência de esclarecimentos em relação a vagas deixadas por propostas vencedoras desclassificadas ou eliminadas do processo, entre outros pontos.

Causa grande preocupação ainda a ausência e a total falta de transparência em relação aos critérios de seleção das 116 (cento e dezesseis) regiões da saúde que receberão os cursos autorizados e a distribuição quantitativa de vagas por território. São Paulo, uma região que já possui um grande número de médicos, é a mais beneficiada do edital, com a alocação de 780 novas vagas enquanto outras regiões com menor proporção de médicos por habitantes, como Sergipe, Tocantins e Acre não receberão a abertura de nenhum novo curso de medicina. Outros nove estados possuem a previsão de apenas um novo curso.

A situação é grave e o edital permite que cada mantenedora apresente até duas propostas distintas para a implantação de cursos de Medicina em diferentes regiões. Com isso, um grupo educacional com dez mantenedoras poderia inscrever até vinte propostas, o que poderia resultar em concentração de mercado, redução ou até mesmo ausência de concorrência. Novamente o princípio da Livre Concorrência sai prejudicado.

No último dia 13 de novembro, o MEC anunciou a prorrogação de prazos do edital, transferindo a Atualização de dados no Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior (Cadastro e-MEC) para até o dia 13 de dezembro. O mais justo, para estudantes e para instituições de ensino de todo o país, é que, até esse período, haja uma retificação total do edital por parte do MEC. Caso isso não seja feito, é de extrema importância que órgãos fiscalizadores como o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) apresentem questionamentos, pedidos de esclarecimentos ou, até mesmo, determinem a suspensão temporária do edital enquanto as questões acima não forem equalizadas.

O Ministério da Educação precisa retificar os critérios do edital do Programa Mais Médicos com o objetivo de reparar as injustiças dos sistemas de saúde entre os estados, especialmente nas regiões mais remotas e necessitadas do interior do país, onde a necessidade de contar com mais cursos de medicina e de mais médicos se torna ainda mais primordial. É preciso expandir o acesso ao sistema de saúde brasileiro, garantindo a paridade de participação das pequenas instituições educacionais no chamamento público, sobretudo aquelas instituições localizadas nos lugares mais remotos do país.

Daniel Cavalcante Silva, advogado da Abrafi (Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades).

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