Em audiência pública realizada em agosto para discutir a situação do acidente vascular cerebral no Sistema Único de Saúde (SUS), o coordenador-geral de atenção especializada do Ministério da Saúde, Rodrigo Cariri, informou que a trombectomia mecânica, tratamento endovascular com eficácia comprovada no tratamento do AVC isquêmico, deverá ser implementada no SUS ainda no 2º semestre de 2023. A sessão tratou da prevenção, reconhecimento de sinais e sintomas da doença e das alternativas de tratamento, com ênfase na importância da disponibilização da trombectomia mecânica no Sistema Único de Saúde.
Participaram da sessão o médico Celso Amodeo, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC, a presidente da Sociedade Brasileira de AVC, médica Maramelia Miranda Alves, a médica Letícia Rebelo, especialista em neurologia vascular, o neurointervencionista Francisco José Mont’Alverne, o neurologista Carlos Clayton Macêdo de Freitas e Marlene Oliveira, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida.
Amodeo enfatizou a importância da propagação do trabalho educativo para prevenir a doença. Segundo ele, a hipertensão é o principal fator para a ocorrência do AVC e as atividades físicas e uma boa alimentação são consideradas importantes fatores contra ela.
A presidente da Sociedade Brasileira de AVC, Maramelia, afirmou que o AVC e o infarto são as doenças que mais matam no país e quando não levam o paciente a óbito, o deixa incapaz. Ela retratou que 70% das pessoas que sofrem AVC precisam se afastar do trabalho e familiares muitas vezes precisam fazer o mesmo para cuidar do paciente, onerando o sistema previdenciário e os custos com saúde.
“A trombectomia mecânica mudou a chave para o tratamento do AVC isquêmico. Nós estamos seguindo a linha dos cardiologistas. Quando eles identificam o infarto, levam o doente para mesa da hemodinâmica, fazem o cateterismo e abrem a artéria. Os neurointervencionistas, que tratavam até pouco tempo o AVC isquêmico apenas com medicamento para dissolver o coágulo, agora levam o paciente para a mesa de hemodinâmica para passar um cateter e abrir a artéria. Isso transformou radicalmente a evolução do tratamento do AVC isquêmico, ao ponto de pacientes chegarem com graves quadros clínicos de hemiparesia (paralisia de uma das partes do corpo) e, ao receberem a trombectomia mecânica, saírem praticamente sem sequelas. É isso, portanto, o que a Sociedade Brasileira do AVC preconiza: proporcionar esse tratamento aos pacientes do SUS”, concluiu Maramelia.
Letícia, especialista em neurologia vascular, endossou a precisão do tratamento devido ao desafio de correr-se contra o tempo no combate ao AVC e a importância dessa informação ser disseminada de forma mais contundente. “O tempo é o nosso maior obstáculo, cada minuto conta. A cada 1 minuto são 2 milhões de neurônios perdidos. A cada AVC, temos em torno de 40 anos de idade acelerada. Quando mais rápido for a intervenção, menores são as chances de sequelas ao paciente”, finaliza.
Para enfatizar os benefícios da trombectomia mecânica, Mont’Alverne, membro do comitê executivo da Rede Resilient de pesquisa em AVC, destacou o caso de um paciente com 40 anos que recuperou completamente o movimento dos membros após ser tratado com a trombectomia mecânica e pontuou que: “o propósito agora é oferecer um tratamento de alta performance de forma igualitária para a população como um todo”.
A trombectomia mecânica já recebeu recomendação positiva há 1 ano e 8 meses pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias de Tecnologias no SUS), mas até agora não foi implementada na prática. Segundo Mont’Alverne, cerca de 60 mil pacientes deixaram de ser tratados com a trombectomia mecânica, por esta não estar ainda disponível no SUS.
Do ponto de vista da sociedade civil, “há uma luta permanente em nome dos pacientes para que, independentemente da situação econômica, todos tenham acesso a tratamentos realmente eficazes e que vão fazer a diferença”, conforme defendeu Marlene, presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, organização que existe há 15 anos e atua em prol dos pacientes nas duas principais causas de morte por enfermidade no país: câncer e doenças cardiovasculares.
Para o representante do Ministério da Saúde, Rodrigo Cariri, a incorporação da trombectomia mecânica no SUS deve acontecer ainda no segundo semestre de 2023, contando com a participação da câmara técnica na análise do PCDT (Protocolo de Diretrizes Clínicas e Terapêuticas). “Esse é um governo participativo que conta com a contribuição das sociedades científicas para a tomada da decisão. Neste espaço, vamos fazer o debate de quais são os primeiros serviços onde deve-se iniciar a implantação da trombectomia mecânica e, a partir disso, reeditar o PCDT vigente com a sua inclusão. Depois desse passo, vamos trabalhar no monitoramento do impacto e curva de aprendizado para a ampliação da disponibilização da trombectomia mecânica em toda a rede SUS”, finalizou Cariri.
O que é a trombectomia mecânica
A trombectomia mecânica consiste na desobstrução da artéria cerebral realizada por um cateter que leva um dispositivo endovascular, um stent ou um sistema de aspiração, para remover o coágulo sanguíneo do cérebro.
Com o procedimento, a taxa de recanalização na oclusão de grandes vasos chega a 77% (NOGUEIRA, 2018, WHITELEY, 2017), significativamente mais eficiente que o tratamento convencional de trombólise endovenosa, com 11% (TSIVGOULIS, 2018). A trombólise endovenosa, tratamento medicamentoso com uso de trombolítico, deve ser aplicado em até 4h30 após os primeiros sintomas.
A TM proporciona também melhor qualidade de vida ao paciente, aumentando a sua capacidade funcional (cognitiva e motora) e dando maior independência no pós-AVC. Estudos apontam ainda que 46% dos pacientes que foram submetidos a essa nova técnica se mostraram independentes após três meses de tratamento, contra apenas 26,5% do grupo que recebeu a trombólise endovenosa (GOYAL, 2016). Em suma, a trombectomia mecânica reduz as taxas de mortalidade, o tempo de internação e dá mais chances para a boa recuperação no pós-AVC.