No dia 26 de fevereiro, foi confirmado o primeiro caso de COVID-19 no Brasil. Tratava-se de um homem com cerca de 60 anos, que acabava de retornar a São Paulo, após uma viagem para a Itália. De lá para cá os casos aumentaram, a América Latina tornou-se o novo epicentro da pandemia e o Brasil um dos países mais preocupantes, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde). Atualmente, temos mais de 1,8 milhões de brasileiros infectados e 72.151 mortos pela doença (12.07.2020).
O que poderia ter sido feito de diferente para que o Brasil não se tornasse o novo epicentro da pandemia? Esta situação poderia ter sido prevista e outras medidas poderiam ter sido tomadas com mais antecedência?
É fato que os modelos de aprendizado automáticos são uma ferramenta poderosa para antecipar qualquer situação ou fenômeno. Mas, para usar esses modelos com eficiência, é essencial ter os dados necessários que nos permitam realizar análises e chegar a conclusões, e que eles tenham profundidade, qualidade e validade suficientes. No entanto, o que acontece quando, como agora, não temos histórico de um fenômeno que queremos prever? Como podemos gerar um modelo de aprendizado automático quando não há informações suficientes? Como poderíamos ter antecipado a COVID-19 se nunca havíamos encontrado uma situação semelhante antes? É aqui que a tecnologia, e especialmente o gerenciamento de dados, cobra ainda mais protagonismo.
Quando as pessoas se comunicam por meio de telefones celulares, e-mails ou redes sociais, compartilhamos informações e conteúdo, ou seja, geramos conexões. Por exemplo, os celulares podem gravar quem liga para quem e quando. Em qualquer empresa, há um registro da origem, destino e hora de cada um dos e-mails enviados dentro dela. Em eventos físicos, é possível usar tecnologias, como identificação por radiofrequência (RFID), para determinar quem falou com quem pessoalmente e, portanto, estabelecer uma conexão de fontes de dados externas, como redes sociais. Sabemos qual usuário compartilha ou consome informações e a que horas. Nas cidades, é possível saber quem está se mudando, onde e quando. Em resumo, graças a todas essas conexões, construímos uma enorme rede que poderia ser usada para executar planos de contingência em casos de propagação de um vírus.
Além disso, se incorporarmos as informações dessas conexões em um banco de dados grafológico, seremos capazes de estabelecer relações entre pessoas e de um indivíduo com sintomas. A evolução do contágio pode ser prevista e realizadas restrições de movimento controlado em direção a núcleos específicos. Com os algoritmos de aprendizado automático, é possível identificar anomalias em tempo real que nos permitem gerar alertas de propagação de vírus.
Grande rede de conexões com AI e IoT
No caso da COVID-19, os resultados dos testes rápidos podem incorporar um valor fundamental no modelo de informação. O que poderíamos alcançar se pudéssemos introduzir esses resultados nessa “enorme rede de conexões”? Por exemplo, no caso da Coreia, um plano agressivo foi lançado desde o início para testar o vírus. Além disso, ao contrário de outros países, estão sendo realizados testes em qualquer pessoa que tenha tido contato direto com casos confirmados para detectar possíveis pessoas infectadas e impedi-las de infectar outros cidadãos.
Mas, para construir essa grande rede de conexões com base em dados e tomar decisões relevantes, primeiro precisamos dos meios que nos permitem obtê-las em tempo real. É uma questão de transformação digital, pois é necessário fornecer ferramentas para cidadãos e empresas para facilitar o intercâmbio desses dados. Por exemplo, a Inteligência Artificial (IA) é um ótimo aliado para atingir esse objetivo e países como a China já estão fazendo uso dele (e mais especificamente do Deep Learning). Ao usar câmeras térmicas para monitorar a temperatura corporal dos cidadãos, estão fornecendo aos cidadãos um aplicativo para conhecer em tempo real os possíveis casos de coronavírus nas proximidades. O mesmo está acontecendo na Espanha, onde iniciativas baseadas em IA estão sendo desenvolvidas, como o chatbot que o próprio governo promoveu para ajudar os idosos diante do coronavírus.
No entanto, antes de executar qualquer projeto de IA, você deve primeiro analisar seu retorno do investimento, que em situações de crise de saúde, sem dúvida, será positivo. Já estamos vendo o impacto econômico que a pandemia da COVID-19 está causando em indivíduos e organizações. Então, quando terminar, vamos ver muitas mudanças, especialmente quando se trata de saúde pública. Veremos mais e mais planos baseados em IA, tecnologia e dados para poder tomar decisões, e governos e cidadãos facilitarão o fornecimento de qualquer tipo de informação que permita antecipar e mitigar riscos em uma situação semelhante. Serão desenvolvidas ferramentas para capturar informações relacionadas à saúde, deslocamento e localização das pessoas. Os governos terão que projetar plataformas de dados abertas que forneçam informações sobre a saúde de seus cidadãos e permitam a instituições, como a OMS, coletar dados de todos os países e identificar possíveis alertas de saúde. E, com algoritmos de processamento de linguagem natural, mais de 100.000 relatórios podem ser rastreados em 65 idiomas diferentes todos os dias, além de várias fontes alternativas, tentando identificar possíveis alertas de saúde.
Outro grande aliado para mitigar os efeitos de uma crise de saúde é a Internet das Coisas (IoT). Relógios e pulseiras inteligentes nos monitoram 7 dias por semana e 24 horas por dia, fornecendo constantemente informações sobre frequência cardíaca, respiração, atividade física e, por que não, temperatura corporal. Nesse sentido, e com base no sucesso do aplicativo desenvolvido na Coreia do Sul para combater a COVID-19, a Espanha projetou um sistema de código aberto para controlar a pandemia e não afundar a economia. Como é possível desenvolver esse tipo de aplicativo na Europa, uma vez que o Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD) contém regras, como o artigo 6.1. e, que reconhece explicitamente que o tratamento de dados pessoais é “legal” em casos excepcionais como controlar uma epidemia e sua propagação. Em outras palavras, esses aplicativos devem limitar-se a relatar o número de infectados em uma área, sem revelar dados pessoais sobre a identidade dos sujeitos, pois isso pode violar os direitos das pessoas afetadas.
Concluindo, até algumas semanas atrás, o uso de tanta tecnologia para “controlar” a população poderia parecer exagerado e ilegal. Mas se, graças a isso, essa situação pudesse ser prevista, o povo teria dado acesso a certas informações relevantes para que o governo pudesse tomar decisões muito antes? Estamos antes e depois, onde foi demonstrado que dados e tecnologia se tornam “heróis” em situações extremas de crise de saúde.
Daniel Díez Galdeano, chefe de Big Data & Analytics na NEORIS Espanha.