Com apoio de iniciativa coordenada pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI), empresas brasileiras inovaram para aumentar a fabricação nacional de respiradores pulmonares, equipamentos usados no tratamento de doentes graves da covid-19. Um grupo de indústrias reunidas em cinco projetos tem o potencial de produção mensal de até 7,2 mil ventiladores hospitalares, após as aprovações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), desde que haja demanda contratada.
A Iniciativa + Respiradores, coordenada pelo SENAI, envolve ações como o apoio de grandes corporações de outros setores às pequenas fabricantes de ventiladores, assim como a aceleração do desenvolvimento de novos produtos por parte das indústrias de equipamentos médicos e de automação. “Há grandes desafios para aumentar a produção nacional no curto prazo, principalmente no suprimento de componentes, em especial os importados. O SENAI, por meio de sua rede de Institutos de Inovação e de Tecnologia, apresentou-se para ser parceiro da indústria brasileira a fim de superarmos esses gargalos”, explica o diretor-geral do SENAI, Rafael Lucchesi.
Um dos projetos fomentados pelo SENAI envolve a parceria entre a empresa Novitech Equipamentos Médicos, de São Bernardo do Campo (SP) e a Whirlpool, dona das marcas Brastemp, Consul e KitchenAid. A Novitech já fabrica respiradores artificiais, certificados pela Anvisa, mas tem uma produção limitada a uma dezena de equipamentos por mês. O aparelho modelo Vento S tem o seu uso indicado para pacientes adultos, infantis e neonatais que estejam em condição de insuficiência respiratória, permitindo a ventilação de pacientes desde prematuros de baixo peso até obesos mórbidos. O Vento S terá sua produção elevada para 100 ventiladores por mês na planta da Novitech. É um ventilador pulmonar microcontrolado (microprocessado) e projetado para fornecer suporte ventilatório durante a ventilação mecânica de forma eficiente e confiável.
A ideia central da parceria é que cada uma das empresas contribuirá com sua expertise. A Whirlpool, por exemplo, dará suporte com seu know how de aumento de produtividade, para garantir a produção em escala dos respiradores. Já a Novitech oferecerá suas instalações para a produção dos equipamentos, uma vez que a empresa detém os direitos e a aprovação da Anvisa para a realização da atividade.
A expectativa da Novitech, segundo o diretor industrial, Rogério Yamane, é obter um crescimento sustentável da capacidade produtiva. “Essa mudança é muito delicada e para que seja bem conduzida, precisamos consolidar novas formas de trabalho, reforçar e mudar a cultura dos colaboradores e, especialmente, contar com o apoio de fornecedores”, afirma Yamane.
DeltaLife acelerou plano de fornecer para medicina humana
Fundada há 12 anos, em São José dos Campos (SP), a DeltaLife é líder no mercado de equipamentos eletrônicos e mecânicos de uso cirúrgico veterinário, incluindo monitores e aparelhos de anestesia inalatória. A empresa ensaiava entrar com mais força no fornecimento para medicina humana, área na qual possui atualmente dois dos 18 produtos de seu portfólio. Com a chegada do novo coronavírus, a empresa ficou propensa a investir no projeto de respiradores, mas ainda com certa hesitação.
“Foi quando o SENAI entrou em contato e demonstrou interesse em conhecer o produto, apresentou a real necessidade que o Brasil tem neste mercado e a disposição em colaborar”, afirma o fundador e diretor da empresa, Vagner Aredes. O projeto de adaptação de ventiladores pulmonares para uso por humanos foi aprovado pelo Edital de Inovação para a Indústria e passou a ser desenvolvido na rede de inovação do SENAI.
“Como o plano já existia, a diferença foi que o processo se agilizou e o grande diferencial que o SENAI nos trouxe foi a capacidade de atuar no desenvolvimento de novas funcionalidades ao produto, agregando competências de eletrônica, software e mecânica, além de criar uma grande rede de contatos”, acrescenta Aredes. Graças a esses contatos, diversas etapas puderam ser superadas em poucas semanas.
Com apoio da Associação Catarinense de Medicina (ACM), foram realizados testes em hospital de Florianópolis, não em humanos, e com a supervisão de médicos especializados. Um hospital militar emprestou um Pulmão Teste para a calibração dos novos respiradores, enquanto um equipamento importado com tal finalidade não chega ao Brasil. Da mesma forma, alguns testes específicos serão realizados no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e no Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
Outra ação destacada por Aredes foi a agilização do processo de certificação na Anvisa, que está em andamento e se constitui, no momento, no principal ponto crítico do projeto. Alcançada essa certificação, a empresa poderá produzir 500 equipamentos por mês a partir de junho, com carga parcial em maio. Os 60 funcionários, que atuam nas divisões de eletrônica e de mecânica, estão focados no novo projeto.
GreyLogix criou aparelho modular
Ao constatar que a escassez de ventiladores pulmonares seria uma das graves dificuldades no enfrentamento da pandemia, a catarinense GreyLogix Brasil resolveu contribuir para suprir o mercado. Renato Leal, executivo da empresa, explica que a estratégia foi criar um modelo modular, com componentes já existentes no mercado, para acelerar o processo de fabricação. “Tendo as peças em mãos, um funcionário pode montar três aparelhos por dia”, explica. Ele acredita que, se houver demanda, sua capacidade de produção seja de 30 aparelhos por dia e a um custo abaixo do preço praticado no mercado, de aproximadamente R$ 50 mil.
Renato Leal cita que o SENAI vem dando suporte no atendimento de pontos críticos no desenvolvimento do aparelho, como a agilização da certificação na Anvisa e as melhorias no produto. Outro ponto crucial para a GreyLogix é a busca de financiamento para a produção. “Estamos fazendo 200 equipamentos com recursos próprios, mas vamos precisar de financiamento ou de um investidor para ganhar escala”, afirma. O quarto ponto essencial citado por Leal é a existência de compradores.
Fanem se associou a projeto de médicos, engenheiros e técnicos
Com 96 anos de experiência na produção de itens para UTI neonatais, incluindo ventiladores manuais ou mecânicos não invasivos, a Fanem, de Guarulhos (SP), foi procurada por um grupo composto por médicos, engenheiros e técnicos industriais com experiência profissional em ventilação mecânica que criou o projeto de um respirador pulmonar como forma de contribuição social. O superintendente comercial da empresa, Rubens Massaro, explica que não se trata de um equipamento típico de UTI. É um aparelho para utilização em casos de emergência, nas situações iniciais e para a fase que ele chama de “desmame”, quando o paciente passa a ter a retirada gradativa da respiração mecânica.
A iniciativa envolve um vasto conjunto de entidades, incluindo escritórios de design, universidades, empresa certificadora e outras instituições. “O SENAI está nos ajudando no planejamento da produção para dar escalabilidade; no desenvolvimento dos ferramentais e de algumas peças, e em parte do processo, como o desenvolvimento de uma embalagem adequada”, afirma Massaro.
O executivo considera que a união dos esforços de diversas instituições é uma “parceria bem construída”. O projeto está há 40 dias sendo construído. A Fanem utiliza expertise em certificações na Anvisa para aprovar o novo ventilador. Massaro acredita que, após a certificação do órgão, processo já iniciado, em oito semanas a empresa poderá alcançar a capacidade de produzir as 4 mil unidades mensais. “Se tivermos mercado comprador, teremos como entregar esse volume”, assegura.
SENAI auxilia Ventlogos e Lifemed
Tão logo perceberam que a pandemia ampliaria a necessidade de respiradores artificiais no Brasil, a Ventlogos, de Vitória, e a Lifemed, de São Paulo, ambas homologadas na Anvisa firmaram uma aliança estratégica que permite a ampliação da oferta do equipamento no mercado nacional. Era a união de uma empresa que já possuía o know how do ventilador (a Ventlogos), com capacidade para produzir 300 unidades por mês, com outra que pode levar a produção a 2 mil unidades mensais (Lifemed). Mas esse aumento de escala na produção exige adequações no projeto, que estão sendo feitas com apoio dos Institutos SENAI de Inovação em Sistemas de Manufatura, de Joinville, e de Tecnologia em Eficiência Operacional, de Vitória.
O diretor comercial da Ventlogos, Eduardo Ribeiro do Val, observa que se trata de um ventilador pulmonar mecânico-pneumático de uso invaviso (intubação) e independe de componentes eletrônicos, ou seja, não precisa da importação de produtos. “Hoje os três grandes produtores de respiradores pulmonares são China, Alemanha e Estados Unidos e a elevada demanda dificulta que se encontrem esses componentes”, afirma do Val. “Fizemos um projeto otimizado devido à limitação do tempo e à urgência do sistema de saúde brasileiro, com a observância da demanda clínica”, afirma o empresário.
Falta de respiradores é ponto crítico
No surgimento da pandemia, os Institutos SENAI de Inovação constataram que um dos pontos críticos para o enfretamento da doença era a falta de respiradores e estabeleceu algumas frentes de ação. Uma delas foi o conserto de equipamentos danificados e, por isso, fora de uso. A outra foi entrar em contato com fabricantes nacionais, inclusive de equipamentos de uso veterinário, para verificar o interesse em participar do esforço nacional e quais os obstáculos para adaptar e ampliar a produção dos aparelhos.
Da iniciativa surgiram diversos modelos de negócio, que contam com o apoio em desenvolvimento e inovação da rede do SENAI, sendo o líder técnico do projeto o Instituto de Inovação em Sistemas de Manufatura, de Joinville (SC), com apoio do Sistemas Embarcados, de Florianópolis. Parte dos projetos foi aprovada na categoria Missão Contra Covid-19 do Edital de Inovação para a Indústria, promovida pelo SENAI, pela Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) e pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).
O presidente da Associação Catarinense de Medicina (ACM), Ademar José de Oliveira Paes Jr, afirma que, diante da urgência em se obter mais respiradores, a entidade pôs médicos associados para ajudar nos testes, que não são feitos em humanos. Ele próprio tem prestado apoio aos testes, realizados em Florianópolis.
Ele salienta que a prioridade é a produção de equipamentos classe 3, invasivos (para intubação). “Vemos o surgimento de muitos projetos que não atendem essa necessidade, são dispositivos de ventilação, mas que, dada a complexidade e gravidade dos pacientes, podem representar riscos”, alerta. “Um bom respirador passa pelo desenvolvimento de um bom projeto e protótipo, testes de aplicabilidade clínica, produção em escala industrial e maturidade de uso de pelo menos um ano”, acrescenta.
Para ele, no entanto, é preciso estimular ações como essas que vão ajudar o país no longo prazo. “Defendemos tais iniciativas, pois elas carregam consigo um espírito de cooperação e de boa vontade e podem se tornar bons projetos no futuro”, afirma.