A dengue é uma doença infecciosa de origem zoonótica, causada por um Flavivirus transmitido por insetos, como a fêmea do Aedes aegypti. Oriundo do continente africano, especificamente do Egito, o principal vetor da dengue chegou ao Brasil junto aos navios que transportavam pessoas escravizadas. Como estes navios levavam várias semanas para atravessar o Atlântico, era necessário estocar comida e água e, assim, nestes barris cheios de água é que as larvas eram também transportadas. Uma vez chegando ao continente latino-americano protagonizou a primeira epidemia da dengue no continente, que aconteceu no Peru, com surtos no Caribe, Estados Unidos, Colômbia e Venezuela.
No Brasil, o A. aegypti inicialmente foi responsável pela transmissão do vírus da febre amarela urbana, causando inclusive, um alarde a nível nacional a ponto de que medidas drásticas fossem tomadas e o mosquito erradicado em 1955, porém retornando no final da década seguinte. Com relação a dengue, apesar de não ser o foco inicial de preocupação, os primeiros casos no país datam do final do século XIX, em Curitiba (PR) e início do século XX, em Niterói (RJ), o que indica que o vírus já estava circulando no país. No entanto, as primeiras epidemias documentadas ocorreram em 1986, no Rio de Janeiro e em algumas capitais do Nordeste. Desde então, a dengue vem ocorrendo em todo o território nacional com intensidades diferentes temporalmente e geograficamente, apresentando-se de forma epidêmica em algumas regiões e endêmica em outras, quando significa que o vírus circula naturalmente na região.
O Brasil vem apresentando uma expansão dos casos, tanto em número quanto a nível territorial. Antes dos primeiros três meses de 2024, quando no dia 18 de março, o Brasil supera o maior número da série histórica, com 1.889.206 diagnósticos confirmados, o ano com maior número de casos foi 2015 com 1.688.688 seguido por 2023, com 1.658.816. No entanto, outros anos foram igualmente preocupantes, como 2019 e 2022. Esta lacuna de 2020 e 2021, pode ser explicada pela própria pandemia do coronavírus, o que além de mudar drasticamente a dinâmica da população contribuindo para uma menor exposição ao vetor, é igualmente responsável pela possível subnotificação dos casos de dengue.
A explicação para o aumento exponencial dos casos de dengue no país, ao longo da última década, não é simples e está relacionada a um conjunto de fatores, como: fenômenos climáticos e mudanças substanciais nas médias de temperatura e de pluviosidade; a falta de infraestrutura básica nos centros urbanos e na periferia; o acúmulo constante de resíduos sólidos em espaços inadequados, criando um ambiente propício a reprodução do vetor; a falta de vacinas (hoje estamos mudando isso); a presença de quatro sorotipos diferentes, o que favorece a circulação do vírus mesmo entre aqueles que já foram portadores uma, duas ou três vezes; e, claro, o aumento e o adensamento populacional, característica que favorece ao vetor encontrar hospedeiros para o seu repasto sanguíneo com maior facilidade. Assim, uma doença complexa como esta exige também um olhar multifatorial para o seu controle, sendo imprescindível que a população e o poder público trabalhem juntos nesta tarefa.
Ainda, vale destacar que da mesma forma que o vírus e o vetor chegaram à América no período das grandes navegações, durante o tráfego de pessoas escravizadas, com a globalização e as viagens internacionais associado às mudanças climáticas, a doença está se expandindo para outras regiões com casos autóctones em países como Estados Unidos, França, Itália e Espanha. Será um indicativo de que em breve a dengue se tornará endêmica nestes países? Só o tempo e o clima para dizer.
Nicole Geraldine de Paula Marques Witt, Mestre em Agronomia e graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Paraná, e professora da Área de Geociências do Centro Universitário Internacional Uninter.