segunda-feira, abril 29, 2024
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União entre biotecnologia e IA impulsiona inovações sustentáveis

por Caroline Didier
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Conceitualmente a biotecnologia surge da união da biologia com a química e a engenharia, com o objetivo de gerar, a partir de organismos vivos, produtos ou serviços úteis à sociedade. Nos últimos anos, o desenvolvimento acelerado da inteligência artificial (IA) tem provido à biotecnologia de avançadas ferramentas de análise e predição, permitindo que novos conhecimentos sejam gerados a uma velocidade surpreendente. A Covid-19, por exemplo, acelerou o desenvolvimento da tecnologia conhecida como aprendizado de máquina ou machine learning, usada para a descoberta de novos e mais eficazes medicamentos.

Existem hoje softwares em estágio avançado de desenvolvimento que, em breve, permitirão predizer a forma tridimensional de praticamente qualquer proteína de um ser vivo sabendo apenas “ler” o DNA que codifica essa informação. Isso será extremamente útil para o desenho de drogas inovadoras contra agentes infecciosos como o SARS-CoV-2 ou no tratamento de patologias complexas como o transtorno obsessivo-compulsivo. A chave do sucesso é que a IA pensa mais rápido que nós humanos, analisa volumes gigantescos de dados em pouquíssimo tempo e consegue detectar padrões que nós não conseguiríamos.

O impacto desse tipo de ferramentas é tão grande na geração de novos conhecimentos que não podemos mais falar que a biotecnologia e a inteligência artificial estão trabalhando lado a lado: na verdade, elas estão se integrando.

Com as ferramentas que a IA fornece é possível prever a ação de uma molécula nova e seus efeitos nos organismos. Nesse campo, o surgimento dos chamados biossistemas ou organoides – pequenos agrupamentos tridimensionais de células originadas a partir de células-tronco que replicam, com precisão razoável, o comportamento de tecidos complexos, como os que formam o cérebro ou os pulmões – se aliam à IA para permitir o estudo in vitro não somente da ação de novos medicamentos e terapias, como também os efeitos de longo prazo de infecções (como a Covid-19), reduzindo a demanda de estudos em animais, dentre outros benefícios.

Uma outra área que está em franca expansão e revolucionando a indústria são os biomateriais, polímeros de origem biológica produzidos em sua maioria por bactérias e fungos, também conhecidos como bioplásticos, que podem ser utilizados na substituição dos derivados petroquímicos tradicionais.

O micélio de alguns fungos (o “corpo” do fungo, formado por filamentos emaranhados) forma estruturas esponjosas e resistentes, e já está sendo utilizado, por exemplo, na fabricação de embalagens que substituem as tradicionais bandejas de poliestireno comumente encontradas nos supermercados para acondicionar alimentos — e que geram um impacto enorme ao meio ambiente —, ou como isolamento térmico (e acolchoado) que pode ser aplicado em uma variedade de indústrias.

Já há empresas que produzem peças de mobiliário e sapatos com o mico-couro (substituto do couro tradicional de origem animal) a partir de micélio fúngico. A respeito dos biopolímeros produzidos por bactérias, além dos já largamente utilizados na indústria (como a goma xantana, por exemplo), teremos novos produtos disponíveis em breve, como um biopolímero transparente e sensível ao toque que está sendo desenvolvido para substituir a tela touchscreen dos smartphones. Todas essas inovações têm uma durabilidade aceitável, e são totalmente biodegradáveis e compostáveis.

Os biomateriais são uma categoria dentro das chamadas biomoléculas. As biomoléculas são produzidas durante o crescimento dos microrganismos em biorreatores, onde recebem nutrientes, em um ambiente de temperatura, acidez e oxigenação controladas, a fim de favorecer a multiplicação desses microrganismos. Trata-se de um processo tradicionalmente conhecido como fermentação microbiana.

As biomoléculas estão revolucionando também o agronegócio: segundo o site do Ministério da Agricultura e Pecuária, a produção de produtos biológicos para controle de pragas e doenças agrícolas cresceu mais de 70% em 2022 no Brasil, movimentando R$ 464,5 milhões ante R$ 262,4 milhões em 2017. Neste segmento, os microrganismos cultivados são predominantemente de ocorrência natural, enquanto a indústria farmacêutica tem focado em microrganismos geneticamente manipulados (cujo DNA foi alterado para favorecer a produção de uma biomolécula específica), mercado que movimentou mais de 2 bilhões de dólares em 2022.

O conhecimento em fermentação desenvolvido na área farmacêutica se estendeu rapidamente a outros segmentos da indústria, com destaque na área de alimentos, utilizando enzimas como, por exemplo, a quimosina aplicada na produção de queijos, ou as pectinases, inserida na clarificação do suco de frutas.

Uma tecnologia que está ganhando rápido destaque na indústria alimentícia é a de fermentação de precisão, inserida no campo da chamada agricultura celular. Consiste em direcionar a maquinaria metabólica dos microrganismos para a produção de proteínas de origem animal, como por exemplo clara de ovo, proteínas do leite e gelatina, que permitem manter as propriedades organolépticas (sabor, odor, textura) dos alimentos a respeito daqueles produzidos com ovos, leite, colágeno e outros de origem animal.

Com a produção dessas biomoléculas em fábricas de fermentação microbiana, muitos problemas são eliminados sem que haja perda da qualidade final do alimento, como contaminantes (como Salmonella) e outros componentes naturalmente presentes como a lactose. Também dentro da agricultura celular encontramos a produção de células musculares em biorreatores, a chamada “carne cultivada”, que já é possível encontrar no mercado, em países como Cingapura.

Perante o crescimento da população mundial e da demanda por proteína animal, a tecnologia de produção destas proteínas por fermentação poderá contribuir significativamente para atender essa necessidade de forma muito menos impactante ao meio ambiente, comparando com a pecuária tradicional. O desafio continua sendo o custo de fabricação, mas se espera que com o ganho em escala e de eficiência, esses produtos se integrem cada vez mais ao nosso dia a dia.

E é a biotecnologia, que nasceu há milhares de anos com a produção de vinho, queijos e pães, que hoje lidera essa revolução impulsionada pela inteligência artificial em direção à sustentabilidade, para nossa geração e as futuras.

*Caroline Didier é gerente de pesquisa, desenvolvimento e inovação da SuperBac, formada em biotecnologia com doutorado em ciências biológicas e MBA em gestão empresarial pela FGV, além de especialização em engenharia da qualidade e em gerenciamento de projetos, e ex-aluna da Universidade de Oxford (Reino Unido).

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